sábado, 20 de dezembro de 2008

olha o começo

caiu da ponte meu tamanco. Não jogou a bicicleta pelos rios. Deixou somente um vazio.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

aos tamancos - parte 2

Volto ao momento adolescente. 
Para os tamancos.
O mesmo enredo de sempre, o mesmo personagem. O livre arbítrio e você, esquecendo sempre do elemento destino.

**** 

Queria ser teu corpo
saber sempre tua temperatura
sorver a chuva que te molha
e acordar na tua boca
como saliva ácida
queimando tuas dores
ardendo em tua febre
viver na tua morte
recorrer ao segundo da tua eternidade

****

o seu olhar


Paulo Tatit / Arnaldo Antunes

O seu olhar lá fora,
O seu olhar no céu,
O seu olhar demora,
O seu olhar no meu,
O seu olhar, seu olhar melhora
Melhora o meu.

Onde a brasa mora e devora o breu
Como a chuva molha o que se escondeu.
O seu olhar, seu olhar melhora, melhora o meu.

O seu olhar agora, o seu olhar nasceu, o seu olhar me olha, o seu olhar é seu.
O seu olhar, seu olhar melhora, melhora o meu...



domingo, 17 de agosto de 2008

ao homem dos tamancos


A solidão dos além mares bate a minha porta. Repercurso. Revontade. ReJulia.


Em um momento bem menininha, bem diário virtual, posto uma canção:
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You must have fallen from the sky
Glen Hansard & Marketa Irglova




"You must have fallen from the sky

You must have shattered on the wrong way

You brought so many to the light

And now you're by yourself

There comes a point in every fight

Where giving up seems the only way

When everyone has said goodbye

And now you're on your own

And if you need somewhere to fall apart

Somewhere to fall apart.

When the rules of Cain

The rights you made

The hours did crawl

For those to blame

The broken glass

The fool that asked

The moving arrow to stop

You must have fallen from the sky

You must have come here in the pouring rain

You took so many through the light

And now you're on your own

And if you need somewhere to fall apart

Somewhere to fall apart.


Well the ruins of man

The bloody rag

Be the fool the bull

The powdered hag

The nights that make

The rattle rag

The wolves that follow the ousted man

The falling star

The way we are Divine

The rules that never ever multiply

You must have fallen from the sky

You must have come here on the wrong way

You came among us every time

But now you're on your own

And if you need somewhere to fall apart

Somewhere to fall apart


Well they call you saint

The basket case

The rules of thumb

You have to break
The raging skull
The rag to the bull
The nails that drag
In either hand
Well I will make
My work of that
I know this place
I know this task
You must have fallen from the sky

****

Quedas, tropeços e a vontade de virar um astro...cruzar os céus, correndo, voando. Vontade de virar um tubérculo, criando raízes fundas, fundas, comendo tudo da terra, entrando na terra, me sujando de terra, aspirando terra. Vontade de virar éter e entorpecer-me de mim mesma e desaparecer em euforia, em êxtase, em ausência.


Vontade de ser espelho, daqueles quebrados, consumindo às gargalhadas 7 anos de azar.



o pacote carregou uma alma quietinha


quinta-feira, 31 de julho de 2008

engrenagem

Há tempo não posto nada por aqui. Escrevi esta brincadeira em Budapeste. Novamente, uma tentativa de conto. Ainda não sei o quanto me dou bem com esse estilo..., porém continuo me aventurando...



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Motor

Carlos Alberto chegou do dentista decidido a mudar de vida. Sua nova estrada não era algo que sabia ao certo, porém reiterou a si mesmo que não mais aceitaria os motorzinhos do mundo. Sem deixar que o tempo lhe roubasse os desejos, correu para a frente do computador e encontrou na página solteiroqueralguém.com alguém com quem pudesse jantar.

Com pouco ou nenhum talento para escolher seu traje para o grande evento, optou por uma calça jeans e uma camiseta branca. Escolheu uma das últimas cuecas novas do pacote de R$15,99 e calçou um par de meias limpas.

Caminhou apressado, deixando as marcas do solado de borracha na saída. Tropeçou uma vez no portão e lembrou que não mais poderia evitar o conserto do pavimento no quintal. Decidiu, porém, que essa seria sua atividade de domingo, já que o jogo de futebol com Cléber fora cancelado.

Continuou correndo ofegante para o ponto de ônibus. Assim que se encontrou sozinho na rua, aproveitou e deu uma cheirada no próprio sovaco. Estava em ordem. Achou melhor não pegar o carro, pois assim teria a chance de acompanhar, a pé, a moça até sua casa. Como não tinha muito a oferecer, preferiu apostar que ela notasse o quanto era alto e atlético.

Fingindo ser um homem confiante tocou a campainha uma única vez e aguardou três longos minutos até que alguém abrisse a porta.

Ali estava ela. Não era particularmente magra, nem gorda. Tampouco era alta, mas também não era baixa. Não tinha os olhos castanhos claros, como seu perfil descrevia. Não era nenhuma dríade, mas, para a felicidade de Carlos Alberto, não era nenhuma medusa.

Era simples. Normal. Positivo ou negativo, não tinha nada que a destacasse na multidão. Já que ele também não tinha nada de espetacular a oferecer ao mundo, sentiu-se confiante. A ida postergada por tantos anos ao dentista tinha lhe feito bem.

Sem elevar o tom de voz, mas sem sussurrar não mentiu sobre a aparência da garota. Disse-lhe sem rodeios que ela estava ok. Ela não piscou, nem sorriu. Mas, também não se fez de rogada, nem se ofendeu com o comentário desajeitado.

- Fabíola. Você gosta de pizza?

Ela acenou afirmativamente e segurou sua mão. Juntos caminharam até a Donna Nonna, onde se sentaram em uma mesa discreta. O cardápio veio e com ele duas taças do vinho da casa oferecidas como gentileza ao cliente fiel.

Comeram sem muito falar, discutindo as amenidades de um primeiro encontro. Decido a não se irritar com pequenas coisas, Carlos Alberto fingiu não se importar com o mastigar um pouco exacerbado da garota. E ela, também, NAQUELE estágio de vida se forçou a ignorar as pequenas manchas de suor amarelado na camiseta branca do rapaz.

Saíram ainda mais quietos do que entraram e caminharam de volta ao apartamento da garota. Sem cerimônia, ela o convidou para entrar e ele aceitou. Despiram-se e deitaram na cama. Transaram de forma sutil. Não foram animais, mas também não estavam mortos. Dormiram.
No dia seguinte, Carlos Alberto se levantou e voltou ao dentista para a continuação do tratamento de canal. Nunca mais telefonou para Fabíola e ela não se importou.

Desde então, ele não mais foi ao dentista e não mais ouviu o insuportável barulho do motorzinho.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

brinco com anônimos...







Os in cognitus

Ana andava muda. Era tão tímida, dizem. Ninguém notou quando ela mergulhou do oitavo andar. Hoje comentam.

Carlos gostava de bocha. Às vezes jogava boliche. Ganhou três campeonatos regionais e perdeu um filho.

Lígia ama seu nome. Afinal, comenta a todos que inspirou uma canção jobinesca. Mas, no grupo de viciados em sexo adimitiu que não sente fetiche por música.

Frívola detesta seu nome. E também sua mãe.

Felipe está tão doente que agora lê a bíblia, virou evangélico e canta hinos. No calar da noite, porém, ainda come muitos chocolates.

Carmen foi ao Egito e teimou que era a reencarnação de Nefertiti. Desde então só come peixe frito no boteco do Nilo.

André não sabe andar de bicicleta. Desde que foi atropelado e perdeu um braço também não anda mais de patins.

terça-feira, 8 de abril de 2008

quem roubou meu fígado?

Ainda fugindo da minha persona como poeta, investigo outros estilos. Uma anti-auto-ajuda. Por isso...quem roubou meu (queijo, guaradanapo, taco de sinuca, gato) ... analogia fraca, mas intencional!







Partes de um não corpo



Uma mão que não é minha.

Um pé que anda sem minha perna.

Um coração que não mais bate.

Um outro corpo sobre o meu.

Uma imagem que não reflete.

Um dedo que não aponta.

Um olho que não vigia.

O outro que não espia.

Uma boca que não murmura.

Umbigo que não respira.

Um pulmão que não infla.

Uma orelha que não escuta.



Mas a voz, essa voz, ainda pálida, deixou de ser muda.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Fingimentos

Como dizia Fernando Pessoa, o poeta é um fingidor. Aqui fica uma tentativa de fingimento como homem colonialista.




Poeminha para Mia Couto


Te perdestes na relva, gaja?
Ainda sabes do teu rumo?
Bota teu coração em caixa
Vem que eu o pego e aprumo

Vendestes a alma gaja?
Ou perdestes a língua?
Tira teu seio da faixa,
Vem que te beijo à finda

Morrestes de dor, gaja?
Ou partistes em doença?
Não vem que não te quero mais.
Marcada por essas balas, por outros violada
Andas agora coxa.
Prefiro restar-me apenas com a tua imagem em crença




quarta-feira, 5 de março de 2008

Mais palavras...

....para um grande e velho amigo, desejando boa sorte na defesa do mestrado.


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Idolatria


Sérgio Faraco

Eu olhava para a estrada e tinha a impressão de que jamais na vida chegaríamos a Nhuporã. Que pedaço brabo. O camaleão se esfregava no chassi e o pai praguejava:


— Caminho do diabo!


Nosso Chevrolet era um trinta e oito de carroceria verde-oliva e cabina da mesma cor, só um nadinha mais escura. No pára-choque havia uma frase sobre amor de mãe e em cima da cabina uma placa onde o pai anunciava que fazia carreto na cidade, fora dela e ele garantia, de boca, que até fora do estado, pois o Chevrolet não se acanhava nas estradas desse mundo de Deus.


Mas o caminho era do diabo, ele mesmo tinha dito. A pouco mais de légua de Nhuporã o caminhão derrapou, deu um solavanco e tombou de ré na valeta. O pai acelerou, a cabina estremeceu. Ouvíamos os estalos da lataria e o gemido das correntes no barro e na água, mas o caminhão não saiu do lugar. Ele deu um murro no guidom.

— Puta merda.


Quis abrir a porta, ela trancou no barranco.


— Abre a tua.


A minha também trancava e ele se arreliou:


— Como é, ô Moleza!


Empurrou-a com violência.


— Me traz aquelas pedras. E vê se arranca um feixe de alecrim, anda.


Agachou-se junto às rodas e começou a fuçar, jogando grandes porções de barro para os lados. Mal ele tirava, novas porções vinham abaixo, afogando as rodas. Com a testa molhada, escavava sem parar, suspirando, praguejando, merda isso e merda aquilo, e de vez em quando, com raiva, mostrava o punho para o caminhão.


O pai era alto, forte, tinha o cabelo preto e o bigode espesso. Não era raro ele ficar mais de mês em viagem e nem assim a gente se esquecia da cara dele, por causa do nariz, chato como o de um lutador. Bastava lembrar o nariz e o resto se desenhava no pensamento.


— Vamos com essas pedras!


Por que falava assim comigo, tão danado? As pedras, eu as sentia dentro do peito, inamovíveis.


— Não posso, estão enterradas.


— Ah, Moleza.


Meteu as mãos na terra e as arrancou uma a uma. Carreguei-as até o caminhão, enquanto ele se embrenhava no capinzal para pegar o alecrim.


— Pai, pai, o caminhão tá afundando!


A cabeça dele apareceu entre as ervas.


— Não vê que é a água que tá subindo, ô pedaço de mula?


E riu. Ficava bonito quando ria, os dentes bem parelhos e branquinhos.


— Tá com fome?


— Não.


— Vem cá.Tirou do bolso uma fatia de pão.


— Toma.


— Não quero.


— Toma logo, anda.


— E tu?


— Eu o quê? Come isso.


Trinquei o pão endurecido. Estava bom e minha boca se encheu de saliva.


— Acho que não vamos conseguir nada por hoje. De manhãzinha passa a patrola do DAER*, eles puxam a gente.Atirou a erva longe e entrou na cabina.


— Ô Moleza, vamos tomar um chimarrão?


Fiz que sim. Ao me aproximar, ele me jogou sua japona.


— Veste isso, vai esfriar.


A japona me dava nos joelhos e ele riu de novo, mostrando os dentes.


— Que bela figura.


A cara dele era tão boa e tão amiga que eu tinha uma vontade enorme de me atirar nos seus braços, de lhe dar um beijo. Mas receava que dissesse: como é, Moleza, tá ficando dengoso? Então agüentei firme ali no barro, com as abas da japona me batendo nas pernas, até que ele me chamou outra vez:


— Como é, vens ou não?


Aí eu fui.



*Sigla do departamento responsável pela conservação das estradas estaduais.

terça-feira, 4 de março de 2008

páginas, páginas


Ontem, como presente de aniversário , ganhei o livro do escritor africano Ruy Duarte de Carvalho. Me apaixonei. No início ainda, mas, em breve, hei de relatar novas passagens. Abaixo, um "verbete" de "Actas da Maianga ...dizer das guerras, em angola..."


"Dizer ou não

...A questão do inglório destino de certos livros que jamais chegarão a sê-lo porque o título, pensado à exaustão, acaba por condensar e cristalizar, na feição de um sucinto tracto escrito, tudo quanto haveria para dizer...Só que neste caso não se trataria apenas disso..."

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

imagens, imagens

Poema antigo, ...., encontrei-o perdido....e aí: aqui está.




Borrão

Vênus,

colombina de manequim
veste-se toda vênus de cetim
Rabisco de vênus desnuda

Grafia sôfrega do nanquim
borra as bordas da vênus de fala muda
e cobre com maquiagem
sua penugem rubra

Vênus rubra, a amante do arlequim

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

poema de margem

Hoje, depois de ler um trechito de "Terra Sonâmbula", do Mia Couto, surgiram alguns versos esparsos. Quem sabe uma promessa de poema; ou o poema assim com poucos versos.



O trechito:

"Só recordo esta inundação enquanto durmo. Como as tantas outras lembranças que só me chegam em sonho. Parece eu e o meu passado dormimos em tempos alternados, um apeado enquanto o outro segue viagem."




Mia Couto, Terra Sonâmbula





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Meus versos:


No rio


A morte não dormida
acorda os vivos

(ausência)

É uma estrada não percorrida
Que anuncia o desespero

Ele diz:
- pede clemência

São mulheres, homens e crianças travestidos de gente
no leito do esquecimento

(história finda)






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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Depois de longo e frio verão

Depois de bastante tempo ausente (crises mil) voltei. Estava no trabalho, brincando entre matérias e saiu isso. Como estive muito distante, decidi postar do jeito que saiu! 1ª versão! Com erros e tudo!

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Crepúsculo dos diabos



Todos os dias eles se encontravam no crepúsculo. As gotas de orvalho pingavam no exato ritmo do farfalhar das árvores. O gongo – tido por muitos como amaldiçoado, soou uma, duas, três, quatro vezes, mas ninguém parecia prestar atenção. Ninguém a não ser o homem barrigudo que batia incessantemente, porém a duras penas, o velho instrumento.

Alice, vestida de azul, não era nenhuma ninfa em ritual nórdico, mas, como sempre, estava bela. Com o olhar rápido ela olhava um a um os homens que se aproximavam da roda e, sem ouvir os gongos, mantinha sua gargalhada em alto e bom som para todos ouvirem.

A roda aumentava a cada segundo que passava, mas nenhuma das pessoas fazia menção de ouvir o gongo que anunciava a chegada de Felipe. Como sempre, o mandante do séqüito aparecia sorrateiro e sem se anunciar. Também ele fazendo pouco caso do homem barrigudo, cuja única função era tocar o poderoso instrumento de estanho.

Dessa vez, Alice estava decidida: não sairia de lá sem ao menos beijar os pés de Felipe, mesmo que seu ato a deixasse manchada para sempre frente aos outros pretendentes. E não eram poucos os que idolatravam a menina envolta na renda azul. Havia outras, igualmente belas, com suas rendas vermelhas, amarelas e laranjas. Mas, nenhuma outra tinha o ar indulgente e os olhos violáceos da menina Alice. Nos círculos íntimos e burburinhos, todos os rapazes, homens e velhos se referiam a ela como a Fada-azul. Sempre, desde os dez anos, Alice portava uma renda azul. Fosse turquesa ou Royal, a renda que cobria seu corpo nu, era azul.

Com os peitinhos espevitados e a cintura fina, cobertos apenas com a delicada renda, Alice desfilava entre todos, aguardando ansiosa a chegada de Felipe que jamais respeitara os horários das convenções. Ora, ele não precisava disso – era o grande Felipe. Aquele que combateu o mal eclesiástico e conseguiu o acordo com as trevas.

Temido e adorado, ninguém jamais chegaria perto dele ou ousaria contestar seus atrasos ou entradas sem anunciação. Porém, a menina Alice, a Fada-azul, ela sim. Envolta em renda e em teimosia, com os seios nus e o púbis jovem e casto, ela subiria ao altar de toras empilhadas e tocaria com as suas mãos brancas os pés de Felipe.

No mesmo instante em que aves revoavam a clareira, homens dançavam e vislumbravam as mulheres-de-renda que caminhavam e, secretamente sonhavam com o toque da menina Alice. No mesmo instante em que aves revoavam a clareira, ele chegou desapercebido. Até o gongo permaneceu na mesma melodia monótona, sem se dar conta da necessidade de seu próprio silêncio. Todos continuavam com suas tarefas de homens e mulheres em festa e acasalamento, sem notar, os passos firmes, porém sorrateiro do temido e adorado Felipe.

Em toda sua certeza e prontidão, Felipe hasteou os braços, pigarreou, calou o gongo, imobilizou os homens, fez pousar as aves, encantou as mulheres que tímidas se cobriram com as rendas e esbravejou seu comando de silêncio absoluto. Não se ouvia nem um paço, nem um farfalhar se quer, nem uma única respiração.

Com os olhos fechados Felipe passou a percorrer as sílabas do seu próprio cântico, embevecendo os presentes de sedução e luxúria. Pouco a pouco, os presentes entoavam palavras de sexo e sentiam os perfumes de seus pares. Como em transe, as mulheres despiam-se das rendas e se davam braços cobertos dos homens. Entre si as mulheres se baixavam e acariciavam os sexos. O perfume corria e Felipe se sentia feliz. Ah. Se ao menos ele mesmo pudesse, pensou.

Quando os afagos cresciam ou os homens faziam menção de atacar as fêmeas que rodopiavam na clareira da luxúria, o gongo soava para alerta-los do início dos tempos que desautorizava o fim no leito.

Alice, como virgem que era, era tida com mais cuidado, cercada pela sua corja de homens e mulheres que idolatravam seu corpo jovem. Como o calor era muito grande e a vontade cada vez maior, os machos se alternavam ao redor da Fada-azul, fugindo para se refrescarem e temendo, por descuido, romperem seu mais precioso encanto.

Aproveitando um dos raros momentos que foi deixada sozinha, Alice caminhou em direção ao altar de toras. O homem barrigudo, concentrado no gongo que novamente soava, nem notou que menina se dispersara dos demais. Todos, entretidos em seios, nádegas e costelas ludibriadas pela própria luxúria, nem por um instante conceberam sua adorada ausência.

A passos rápidos, aproveitando o transe coletivo e os olhos cerrados de Felipe, ela subiu nas toras, agachou-se e tocou a túnica de Felipe. Assustada, nem deu tempo do mestre reagir, agarrou a faca jogada na mesa e o apunhalou. Em menos de dois minutos de silêncio tétrico, Felipe não mais respirou. No auge dos seus 15 anos, Alice se levantou, manchada de sangue e disse à multidão atônita:

- Sabem porque jamais o tocamos? Sabem porque Felipe me ofertou aos Deuses, condenada a jamais tornar-me mulher? Sabem porque vocês, almas infelizes, jamais conseguirão culminar seus desejos e tomar uns aos outros verdadeiramente? Sabe porque só nos acariciamos, beijamos e tocamos? Sabem porquê vocês homens andam vestidos?

Movida pelo próprio desejo e sangue vivo e pulsante, Alice levantou o corpo de Felipe. Com uma mão o apoiava no ombro e com a outra levantou a bata que ele portava. Para o espanto e absoluta compreensão de todos, o mestre era eunuco.