sábado, 24 de novembro de 2007

uma tentativa de crônica





Como última tarefa, antes de me graduar jornalista, tive que escrever uma crônica. Tenho traumas terríveis com crônicas. Não sei escrever nesse estilo que, embora muitos considerem menor, eu considero sublime e dificílimo de ensaiar.

Bom, como fui obrigada a escrever, decidi que o texto valia uma vaguinha no blog.


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Aí vai:


Do alto da janela um divã caiu na cabeça do vendedor de pastel

Estava eu sentada no parapeito da sacada da minha avó, pensando em qual velocidade meu corpo se esbofetearia no chão, quando, lá embaixo vi um menino vendendo pastel. Em plena Cerqueira César, na Alameda Jaú, um guri de no máximo dez anos gritava “olha o pastel de carne, de queijo e de pizza. Fresquinho”. Com uma cesta na mão, provavelmente forrada de papel-toalha, daqueles que seguram a gordura da fritura, o menino perambulava pela rua. Foi aí que pensei, eu aqui, cercada das minhas agonias frívolas e pequenas, pensando que amadurecer não é assim tão legal, enquanto ele, lá embaixo, provavelmente não tinha espaço para angústia. Afinal, ele já era grande, no auge dos seus dez anos. Praticamente um CEO das vendas paulistanas. A cada passo que ele dava, com seu sorriso franco estampado no rosto, passantes vinham e lhe compravam um dos pastéis que vendia. No curto espaço de tempo, acredito que ele tenha recebido uns dez reais, calculando que o pastel custasse R$1,00.
Porém, de repente, fui tragada para a lembrança de uma das minhas seções de análise, compradas pela bagatela de R$100 a hora. Lembrei do que minha analista repetia incessantemente a cada uma das minhas crises burguesas: “sua angústia é tão real quanto a das outras pessoas”. É tão real mesmo? Porque só as classes abastadas ou que tenham tido acesso mínimo à educação dão-se o luxo da tristeza. Porque só nós leitores de jornais abraçamos a depressão? Luiz Ruffatto, escritor que aprecio muito e que tive o imenso prazer de conhecer narra a impossibilidade de mudança do miserável, preso para sempre a sua própria constância de miséria, frio e fome. Tristeza essa tão real, que só cede espaço para abusos sexuais e outras privações, seja do calor materno que trabalha 24horas como auxiliar de limpeza, seja do abraço do Pai, que está preso por arruaça nas ruas. Vale lembrar a legião de ratos, insetos e vermes que acompanham cada gota de lágrima que cai do rosto de uma criança que abraça o irmãozinho para que ele não sinta o ardor das escoriações inflamadas. Também pudera apanhou como cão do padrasto bêbado que só queria ficar só e esquecer essas malditas crias da vagabunda que não lhe deu o cú na noite anterior. Porque não apanho eu? Porque não tenho eu o prazer de chorar numa noite fria, mas chorar de dor e não chorar porque não resolvi meu Édipo.
Cadê a chance desse guri que vende pastel, da menina, do irmão fodido, da mãe, da vagabunda, do bêbado, do motorista de chorarem pelos seus édipos, eléctras, histerias, transtornos bipolares, etc etc etc e mais de tantos outros do jargão de divã. Culpa burguesa? O caralho, pensei do alto da janela. É culpa de vida mesmo. Talvez uma boa razão para deixar meu ateísmo de lado e assim, como esses personagens freqüentar uma nossa senhora de alguma coisa e aguardar com afinco o paraíso e a reencarnação.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Cartas marítimas



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Inspirada pelo fim da leitura de "Na praia" de Iwan McEwan, ou talvez no simples bater-pernas pela Paulista, comprei e li hoje (impossível parar) "Cartas Portuguesas", de Mariana Alcoforado. Publicada em autoria anônima, a compilação apresenta cinco cartas provavelmente escritas por uma freira portuguesa em clausura desde os 12 anos de idade para um militar francês no século XVII. Tristes, as correspondências foram avaliadas por Rilke, Russeau e outros tantos pesquisadores e são tidas até os dias atuais como o mais puro relato de amor e paixão já "lidos" na literatura ocidental.


São cerca de 70 páginas em uma edição de bolso da L&PM, mas contém em toda sua pequenez em tamanho, a grandiosidade do sentimento de desconsolo e abandono de uma rejeição, da luta de uma mulher enclausurada por uma paixão que terminou por ser cruel e fatal. Ao mesmo tempo que ela amaldiçoa seu amante, ela o perdôa por ter lhe permitido amar de tal forma. Da mesma forma que ela condiciona sua vida de amargura e angústia a ele, ela também condiciona sua morte ao não amá-lo ou não o tê-lo amado.


"Na praia" por sua vez narra a tristeza de uma relação entre recém-casados (ambos virgens) em pleno início da década de 60, antes da verve de libertação sexual. Fadado ao desencontro das duas vidas, o livro deixa, contudo, embora paradoxalmente, a esperança na desesperança. Fica aquela idéia Vinícius .... antes ter amado e sofrido do que não sofrer e não ter amado.

Publicamente me vejo como essas personagens; ora a freira de amor real e carnal, ora a jovem musicista frígida, embora precocemente libertária e, infelizmente, incompreendida.


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Deixo um breve trecho da terceira carta de Mariana:


"Adeus! Parece-me que falo demais no estado deplorável em que me encontro. No entando, do fundo do meu coração te agradeço o desespero que me causas, e detesto a tranqüilidade que vivi antes de te conhecer."


quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O pulitzer da solidão

Uma passagem do último livro do Philip Roth, "Homem comum", me chamou muita atenção. Ela é relativamente simples e não tem nada de excepcional como literatura, mas casa muito bem com a situação de desconsolo que o livro propõe: o envelhecer, a morte e a vida em toda sua pobreza. No imaginar das relações shakespearianas como pontos sadios e lúdicos, quando na verdade, resta apenas a mais violenta solidão. O encontrar-se com o outro é sempre violentamente individual e a paixão é terrivelmente amarga de tragar (e viva meu plágio de Chico Buarque)....



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Fica a passagem:



"'O que fiz de tão errado?', perguntou Phoebe, 'pra você querer me humilhar dessa maneira? Porque é que você quis destruir tudo? Será que estava tão horrível assim?Eu já devia ter me recuperado do choque, mas não consigo. (...) Você nem sabia que eu sabia, não é? Então, eu sabia.' (...) Mas essas histórias são muito conhecidas e não é preciso entrar em maiores detalhes. Phoebe o expulsou na noite após o enterro de sua mãe; eles se divorciaram depois de negociar um acordo financeiro..."





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E o Pulitzer vai para a solidão...não é uma grande literatura em termos estéticos, mas é uma "pêga" (como diz o povo que tanto amo) ... é uma "pêga de tratado filosófico"....

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Imagina se a cada sinapse tocássemos música

como um player de algum tipo, ou um radiozinho pronto para o apertar de um botão....

Fica aí, a chanson do momento...do Camera Obscura.




Come back Margaret

Come back Margaret he wants to adore you
Come back Margaret I'd like to explore you
Can't you see the tears in my eyes
With love for him I disguise

I like the free days with no expectations
I like it my way with no limitation
Still you see there are tears in my eyes
With love for him I despise

Darling you will always be around
Whether my mood's up or if it's down
In dreams I try to take you far away
But you never stay
No you never stay


No you never stay

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No começo eu achava que minha vida era deliciosamente um filme francês. Hoje cansei dos roteiros Truffaut que me perseguem. Quero ser Spielberg (vale até terror ou tragédia hollywoodiana); quero maluquices Almodóvar, quero até Império dos Sentidos e morrer daquele jeito asqueroso. Quero mais que a lamentação, a filosofia e os acontecimentos randômicos que andam com tanta persistência atrás de mim.