sexta-feira, 30 de março de 2007

Terrível tendência








Algumas coisas se repetem...não sei ao certo porquê.

Já cogitei castigo divino, la vraie "pagação" de pecados....Já busquei bastante entender coincidências que se mostram nada casuais...

Contudo,entendo que sou causa e esse é o efeito. Mas, essa constatação, essa certeza quase onisciente (se é que existe possibilidade de uma "quase onisciência") é triste, dói e viola toda pose de Catherine Deneuve, dando vazão a uma Sophia Loren escandalosamente desmedida.


A um ausente
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Drummond

quarta-feira, 21 de março de 2007

Todo amor dos jovens não é propriamente amor.

Escrevo via Rilke um recado...

"Amar também é bom: porque o amor é difícil. O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e a última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação. Por isso, pessoas jovens que ainda são estreantes em tudo não sabem amar: tem que aprendê-lo. Com todo o seu ser, com todas as suas forças concentradas em seu coração solitário, medroso e palpitante, devem aprender a amar. Mas a aprendizagem é sempre uma longa clausura. Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora é solidão, isolamento cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. Que sentido teria a união de algo esclarecido, inacabado, dependente? O amor não é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser; é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz , uma escolha e um chamado para longe. Do amor que lhes é dado, os jovens deveriam servir-se unicamente como de um convite para trabalhar em si mesmos ("escutar e martelar dia e noite"). A fusão com o outro , a entrega de si, toda espécie de comunhão não são para eles (que deverão ainda juntar durante muito, entesourar); são de açgo acabado para o qual, talvez, mal chegue atualmente a vida humana."

Deixo um breve trecho de Cartas a um jovem poeta, do Rilke. Livro que li, reli e treli. Muito pouco dele compreendo, talvez porque com ele eu veja muito de mim - daquilo que não quero ver.
No mais, registro essa pequena parte para alguém (inominável), mas real em toda minha imaginação.

terça-feira, 20 de março de 2007

Caminhos

Deixo um poema de um escritor libanês. Caminhos ligam passado e presente numa esfera única.


Llegarás

No llegarás de un camino menos peligroso
Pero llegarás
Un poco deshabituada
Pondrás tus maletas delante de la puertaAntes de saludar
Y no llegarás
Hasta que no te pierda un poco
Hasta que algo de tu rostro
Huya hacia ese camino
Donde te esperan las paradas de tu fuga.

ABBÁS BEYDÚN

segunda-feira, 19 de março de 2007

tecnofobia

...só preciso informar: como odeio minha tecnofobia....me sinto completamente incapaz no meio da onda tecnológica. Como vou sustentar todas essas frases e imagens "pós-modernas" (adjetivo estranho) sem dominar o instrumento?

Começo com algo meu...

Ai cruzes. Essa é uma experiência completamente nova e arriscada. Jamais pensei que entraria na onda virtual e seria capaz de expor algo à crítica...ainda que advinda de terras, espaços e relógios anônimos.

Fiquei meses...quase ano sem escrever. Não gostei muito da recentemente escrita tentativa-de-poema, mas, como exercício terapêutico (sério...é um produto da terapia, análise ou whatever it's called)... aí vai:





Lamento da mulher árabe



Acompanho a cadência do teu lábio

que beija o meu.

Rubro fica o rosto,

descobristes o meu véu.



Achastes meus olhos fundos,

doídos dentro da herança

-ah, rompestes meus rumos

e negastes minha infância.



Descobristes o véu

e descobristes o quê?

Resta eu mulher?

Gusta e consomes o que vê.



Nos teus lábios a cadência

renega minha origem,

todo meu jeito coberto

envelhecido na fuligem do meu maternal deserto.



Achastes a odalisca

presa pelo ifrit na miragem?

Ou encontrastes meio seio nú

exposto - assim tão fácil - em toda paisagem?


****


Cabe uma imagem? La belle Arletty. A amante do incrível les enfants du paradis. Musa do Je suis comme je suis do Prévert. Em breve posto esse poema por aqui.