quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

um conto inteiro

Para facilitar a vida de todos, posto o conto inteiro, sem quebras de postagens.




Elisa, João e Miguel

Lá estava. Toda linda, cabelos longos amarrados em coque, preso com um lápis sem ponta. De pé, cansada, esboçou dois ou três gemidinhos de cansaço e roçou o pé esquerdo na canela direita. Esperava que a cafeteira anunciasse o começo de mais uma manhã. Com o vestidinho da noite anterior, desses de malha (coisas de mulher) ela exibia as curvas mais deliciosas e convidativas que já passaram pelo meu apê. Mas, de alguma maneira, lá estava Ele. Com aquela calça jeans rasgada e a camisa manchada de sangue. Os mesmos olhos fundos que olhavam para ela e olhavam para mim. A mesma reprovação.
- Puta que o pariu Elisa! Que porra é esse cara de novo por aqui?
Sem me dar atenção, aguardando as primeiras gotas de café, respondeu com aquele sotaquinho marrento de carioca-que-nem-só-ela:
- Ah Zé. Deixa ele. Faz nada não...depois tu te acostuma.
Sem esconder meu descontentamento bufei uma, duas ou três vezes, não me lembro. Olhei pra ela e nada de Elisa interagir. "Antes das 9 horas eu não funciono", ela repetia incessantemente todas as manhãs quando eu queria conversar.
E lá estava ele, com aquela cara de saco-cheio me olhando e olhando Elisa que, como sempre, com aquele ar de nem aí e eu aqui pensando nas mil possibilidades do porquê da presença Dele.
Ela, com o vestidinho amassado na barra, finalmente tirou o bule de vidro da base e verteu o café fumegante em dois copos daqueles de padaria. Solícita, embora emburrada, sentou-se no meu colo, com o copo na mão e o convite para uma trepadinha matinal.
- Elisa. Pára com isso...vamos conversar.
Sempre adorei a sonoridade do nome Elisa e jamais lhe dei um apelido. Minha cabeça estava a mil, enquanto ela, ignorando minhas recusas, mordiscava minha orelha e colocava sua mão pequenina bem na divisão das minhas coxas.
- Elisa. Sério. Temos que conversar sobre o desgraçado ali.
Apontei para o batente da porta onde estava Ele e sua calça jeans rasgadinha que imitava algum rock star decadente da década de 90.
- Pára, gato. Esquece ele. Num adianta não. Ele fica aí o tempo todo, olhando. Deve ser curiosidade.
O tom jocoso com que Elisa lidava com a situação poderia ter me deixado tranqüilo, mas faziam meses que esse sujeito aparecia e minha disposição já não era mais a mesma.
Elisa tinha essa mania infernal de fingir que tudo estava bem: fosse o que fosse. Ela não ligava se o pão da lanchonete estava velho, se os chocolates comprados para meu sobrinho tinham derretido na sua bolsa, se o gato tinha deixado suas bolas de pelo no lençol. Tudo para ela era motivo de total e permanente indiferença. Eu, por outro lado estava cansado. Embora não me queixasse das pequenas coisas como o pão, ou os chocolates na bolsa dela, simplesmente não conseguia passar o resto da minha vida com aquele cara ali. Parado, com a maldita mancha de sangue e o ar de vocalista. Estava cheio. Cheio a ponto de recusar as insistências de Elisa.
- Vai Zé, repetia gemendinho, tirando as alças do vestido e se "achegando" em mim.
- Elisa. Na boa, quero esse cara longe daqui. Vamos chamar alguém outra vez.
Pela primeira vez senti que havia algo de novo no seu rosto. Uma certa insegurança que jamais havia visto. O que sempre soube, mas não queria encontrar estava tão a minha frente quanto o maldito rock-star.
- Você se acostumou com ele.
Muda por alguns quietos, ela riu e, para minha surpresa, reagiu:
- Zé. Tá legal. Você quer ir novamente ao maldito pai-de-santo. Tentamos de tudo, porra. Já foi de tudo: centro espírita, macumbeiro, pastor de igreja, testemunhas de jeová, rabino, padre...
Não havia como discordar dela. Nossos últimos meses foram marcados por essa agonia do cão. Nossa, não. Minha, pois ela nunca ligou muito pela presença do ex.
Logo quando começamos a namorar, sentia a impressão de ver um rosto conhecido. Na época, atribui as imagens ao remédio tarja preta que tomava. Mas, assim que mudei pro apê dela (apê que fora dele também), senti que a merda estava feita. O cara devia ter superado, ascendido aos céus, decido ao inferno. Mas, não, como disse o hare-krishna que nos visitou, era preciso deixar que ele aceitasse seu karma, seu curso de vida e só então se preparasse para reencarnar.
No começo fiquei com dó, mas, inevitavelmente, não conseguia deixar de pensar que aquele filho de uma puta nada tinha a ver com a minha vida. Com a de Elisa, até vai. Afinal moraram juntos, dividiram uma casa, pensavam em casamento. Mas, eu? Eu não fiz nada. O máximo de culpa que admito ter for ter me envolvido com a viúva do defunto. Mas, nem me aproveitar dela, me aproveitei. Pelo contrário, foram longos meses para nos aproximarmos.
- Merda, Elisa. Deve haver algum jeito.
Cansada, com aquele carioquês arrastado, ela suspirou e disse que nada havia a ser feito, a não ser seguir os conselhos de todos os deuses que por aqui passaram. Era preciso esperar que ele iria embora.
Mas, a sensação de desconsolo e a completa certeza de que ela se sentia bem com a presença do defunto me deixava perdido. Sempre me deixou e continuava me deixando.
- Saco Elisa. Não quero mais isso.
Sem atinar pro meu desespero, ela virou, olhou para ele e olhou para mim:
- Quero te contar uma coisa. Mais assustadora que a presença do Miguel aqui.
Merda, pensei. Que porra poderia ser pior.
Mas, bravamente ela interrompeu, anunciando que era uma notícia boa. Assustadora, mas boa. Estava grávida.
Como num instante, levantei e corri para a porta.
Antes de correr para a rua, respirar e talvez até chorar, falei:
- Elisa, não dá. Como vou saber se essa criança é minha e não dele.
No mesmo instante, percebi que o atropelado-Miguel-da-camisa de sangue era eterno e sorria.

Parte III - conto - Elisa, João e Miguel

Aí vai! Atendendo aos pedidos e reclamações dos que lêem esta que escreve, decidi postar o final do conto, sem divisões....numa "tacada" só.

Elisa tinha essa mania infernal de fingir que tudo estava bem: fosse o que fosse. Ela não ligava se o pão da lanchonete estava velho, se os chocolates comprados para meu sobrinho tinham derretido na sua bolsa, se o gato tinha deixado suas bolas de pelo no lençol. Tudo para ela era motivo de total e permanente indiferença. Eu, por outro lado estava cansado. Embora não me queixasse das pequenas coisas como o pão, ou os chocolates na bolsa dela, simplesmente não conseguia passar o resto da minha vida com aquele cara ali. Parado, com a maldita mancha de sangue e o ar de vocalista. Estava cheio. Cheio a ponto de recusar as insistências de Elisa.
- Vai Zé, repetia gemendinho, tirando as alças do vestido e se "achegando" em mim.
- Elisa. Na boa, quero esse cara longe daqui. Vamos chamar alguém outra vez.
Pela primeira vez senti que havia algo de novo no seu rosto. Uma certa insegurança que jamais havia visto. O que sempre soube, mas não queria encontrar estava tão a minha frente quanto o maldito rock-star.
- Você se acostumou com ele.
Muda por alguns quietos, ela riu e, para minha surpresa, reagiu:
- Zé. Tá legal. Você quer ir novamente ao maldito pai-de-santo. Tentamos de tudo, porra. Já foi de tudo: centro espírita, macumbeiro, pastor de igreja, testemunhas de jeová, rabino, padre...
Não havia como discordar dela. Nossos últimos meses foram marcados por essa agonia do cão. Nossa, não. Minha, pois ela nunca ligou muito pela presença do ex.
Logo quando começamos a namorar, sentia a impressão de ver um rosto conhecido. Na época, atribui as imagens ao remédio tarja preta que tomava. Mas, assim que mudei pro apê dela (apê que fora dele também), senti que a merda estava feita. O cara devia ter superado, ascendido aos céus, decido ao inferno. Mas, não, como disse o hare-krishna que nos visitou, era preciso deixar que ele aceitasse seu karma, seu curso de vida e só então se preparasse para reencarnar.
No começo fiquei com dó, mas, inevitavelmente, não conseguia deixar de pensar que aquele filho de uma puta nada tinha a ver com a minha vida. Com a de Elisa, até vai. Afinal moraram juntos, dividiram uma casa, pensavam em casamento. Mas, eu? Eu não fiz nada. O máximo de culpa que admito ter for ter me envolvido com a viúva do defunto. Mas, nem me aproveitar dela, me aproveitei. Pelo contrário, foram longos meses para nos aproximarmos.
- Merda, Elisa. Deve haver algum jeito.
Cansada, com aquele carioquês arrastado, ela suspirou e disse que nada havia a ser feito, a não ser seguir os conselhos de todos os deuses que por aqui passaram. Era preciso esperar que ele iria embora.
Mas, a sensação de desconsolo e a completa certeza de que ela se sentia bem com a presença do defunto me deixava perdido. Sempre me deixou e continuava me deixando.
- Saco Elisa. Não quero mais isso.
Sem atinar pro meu desespero, ela virou, olhou para ele e olhou para mim:
- Quero te contar uma coisa. Mais assustadora que a presença do Miguel aqui.
Merda, pensei. Que porra poderia ser pior.
Mas, bravamente ela interrompeu, anunciando que era uma notícia boa. Assustadora, mas boa. Estava grávida.
Como num instante, levantei e corri para a porta.
Antes de correr para a rua, respirar e talvez até chorar, falei:
- Elisa, não dá. Como vou saber se essa criança é minha e não dele.
No mesmo instante, percebi que o atropelado-Miguel-da-camisa de sangue era eterno e sorria.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Pequeno intervalo no conto - Meu amigo secreto

Participei de um amigo secreto virtual e como acordado, posto minha resenha do blog que me foi sorteado, o http://cenasdaminhamemoria.zip.net , cuidadosamente escrito e desenvolvido por Melia Kindler. Então, querida e virtual amiga secreta Melia, aí vai!

Doces páginas. No fundo negro, sobressai o cor de rosa. N'alma triste, talvez até castigada em algum momento, surge toda feminilidade. Nos sons "...cores", aparece um quê de cantiga de roda. Por vezes pueril, o blog carrega esperança e crença no Outro; na possibilidade de ver as lágrimas que escorrem, sem deixar que afoguem quem chora. É doce e repleto de confidências adocicadas de uma infância ainda muito presente. Incontáveis declarações de amor e diário virtual: o blog é sensível, doce e apresenta ricos momentos literários. São narrativas honestas que valem a pena ser lidas. Para isso, é preciso, assim como a própria autora Melia o fez, deixar os preconceitos contra os infinitos "...cores" e aproveitar uma menina que expõe com coragem o próprio coração.


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Amiga-secreta Melia: vi essa imagem e lembrei de você e do seu blog. Espero que goste e boas festas!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

parte dois do conto sem título

Parte 2 de algumas...

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E lá estava ele, com aquela cara de saco-cheio me olhando e olhando Elisa que, como sempre, com aquele ar de nem aí e eu aqui pensando nas mil possibilidades do porquê da presença Dele.
Ela, com o vestidinho amassado na barra, finalmente tirou o bule de vidro da base e verteu o café fumegante em dois copos daqueles de padaria. Solícita, embora emburrada, sentou-se no meu colo, com o copo na mão e o convite para uma trepadinha matinal.
- Elisa. Pára com isso...vamos conversar.
Sempre adorei a sonoridade do nome Elisa e jamais lhe dei um apelido. Minha cabeça estava a mil, enquanto ela, ignorando minhas recusas, mordiscava minha orelha e colocava sua mão pequenina bem na divisão das minhas coxas.
- Elisa. Sério. Temos que conversar sobre o desgraçado ali.
Apontei para o batente da porta onde estava Ele e sua calça jeans rasgadinha que imitava algum rock star decadente da década de 90.
- Pára, gato. Esquece ele. Num adianta não. Ele fica aí o tempo todo, olhando. Deve ser curiosidade.
O tom jocoso com que Elisa lidava com a situação poderia ter me deixado tranqüilo, mas faziam meses que esse sujeito aparecia e minha disposição já não era mais a mesma.

Conto em algumas partes - parte 1

Um conto meu....que publicarei em partes....ainda não há título.
Carece de revisão, mas era preciso exorcizá-lo da minha cabeçota...nada melhor que postá-lo por aqui...além de sair do meu imaginário, ele ganha seu lugar no mundo virtual. E, se der certo, o conto ficará bravíssimo comigo. Afinal, o coloquei ao crivo coletivo, sem revisão....escrevendo-o assim "de jorro".

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Lá estava. Toda linda, cabelos longos amarrados em coque, preso com um lápis sem ponta. De pé, cansada, esboçou dois ou três gemidinhos de cansaço e roçou o pé esquerdo na canela direita. Esperava que a cafeteira anunciasse o começo de mais uma manhã. Com o vestidinho da noite anterior, desses de malha (coisas de mulher) ela exibia as curvas mais deliciosas e convidativas que já passaram pelo meu apê. Mas, de alguma maneira, lá estava Ele. Com aquela calça jeans rasgada e a camisa manchada de sangue. Os mesmos olhos fundos que olhavam para ela e olhavam para mim. A mesma reprovação.
- Puta que o pariu Elisa! Que porra é esse cara de novo por aqui?
Sem me dar atenção, aguardando as primeiras gotas de café, respondeu com aquele sotaquinho marrento de carioca-que-nem-só-ela:
- Ah Zé. Deixa ele. Faz nada não...depois tu te acostuma.
Sem esconder meu descontentamento bufei uma, duas ou três vezes, não me lembro. Olhei pra ela e nada de Elisa interagir. "Antes das 9 horas eu não funciono", ela repetia incessantemente todas as manhãs quando eu queria conversar.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Homenagem a uma portenha-curitibana-paulista na terra das compras

Recebi um comentário. Lágrimas foram inevitáveis. A vontade do estar junto; da proximidade física - já que aquela simbólica....ah, esta não precisa de vontade...ela existe e pronto. O desejo do abraço e do carinho mais puro, fraternal...de ficar com os pés para cima em Toque Toque cantando devaneios sobre ratos, pererecas, elefantes e mosquitos. De decorar sinopses de filmes e gargalhar repetindo Polly e Steven. Vontade de usar novamente os codinomes Brooke e Sam. Vontade de rever enlatados americanos 10, 20, 30 vezes e chorar cada vez que a Felicity cortou o cabelo. Vontade de telefone. Vontade de rabiscar as agendas, de colar decalques, adesivos e recortes de revista. Vontade de bater perna com lenço na cabeça (ah...meu fascínio pelo oriente). Vontade de sorrir assim sem porquê. De olhar e entender. Da visão muda e completa em toda sua complexidade. Da cidra "ceresé" em Ubatuba. Do nescafé. Do escotismo de um terceiro ser. Das piadas de abdução. Das chansons pornographiques. De contar tudo: dos meus prantos atuais, da saudades de quem partiu para sempre, dos novos amores, dos velhos, dos retornos. Das listas de enumeração de beleza, fico-não-fico, legalXchato. Da adolescência. Dos cortes nos pulsos. De contar que eu os repeti na ausência. De falar. De discutir do chavismo...ah como precisava disso agora. De passar trotes. De dormir na cia do Guli que come outros cães de pelúcia. De existir em todos os momentos, seguindo o bordão do pentelho do Bono: COEXIST.




De chorar sem porquê e com todos os porquês do mundo. De não acreditar em Deus, mas morrer de medo de uma aparição. De viver sem ter que obrigatoriamente ser. De viver sendo eu e de viver vendo alguém que não se identifica sendo alguém sem identificação. De ouvir. De ser realmente ouvida. De amar sem precedentes. De ser irmã de alguém com pais diferentes. De querer saber tudo; dos encontros nos departamentos de radiologia... De querer perdoar a ausência e entendê-la. De saber dessa presença mística. De ter orgulho e de orgulhar alguém. De poder viver na mais profunda agonia da vontade de estar perto. De passear pelo mundo. De sentir raiva de mim mesma por perder os telefones. De sentir raiva pelos emails nunca respondidos. De saber o que é ter alguém e ser de alguém para sempre. De saber que é possível amar sem conotação sexual, de casamento, ou de família biológica. De poder viver esperando a mais pura felicidade alheia.

sábado, 24 de novembro de 2007

uma tentativa de crônica





Como última tarefa, antes de me graduar jornalista, tive que escrever uma crônica. Tenho traumas terríveis com crônicas. Não sei escrever nesse estilo que, embora muitos considerem menor, eu considero sublime e dificílimo de ensaiar.

Bom, como fui obrigada a escrever, decidi que o texto valia uma vaguinha no blog.


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Aí vai:


Do alto da janela um divã caiu na cabeça do vendedor de pastel

Estava eu sentada no parapeito da sacada da minha avó, pensando em qual velocidade meu corpo se esbofetearia no chão, quando, lá embaixo vi um menino vendendo pastel. Em plena Cerqueira César, na Alameda Jaú, um guri de no máximo dez anos gritava “olha o pastel de carne, de queijo e de pizza. Fresquinho”. Com uma cesta na mão, provavelmente forrada de papel-toalha, daqueles que seguram a gordura da fritura, o menino perambulava pela rua. Foi aí que pensei, eu aqui, cercada das minhas agonias frívolas e pequenas, pensando que amadurecer não é assim tão legal, enquanto ele, lá embaixo, provavelmente não tinha espaço para angústia. Afinal, ele já era grande, no auge dos seus dez anos. Praticamente um CEO das vendas paulistanas. A cada passo que ele dava, com seu sorriso franco estampado no rosto, passantes vinham e lhe compravam um dos pastéis que vendia. No curto espaço de tempo, acredito que ele tenha recebido uns dez reais, calculando que o pastel custasse R$1,00.
Porém, de repente, fui tragada para a lembrança de uma das minhas seções de análise, compradas pela bagatela de R$100 a hora. Lembrei do que minha analista repetia incessantemente a cada uma das minhas crises burguesas: “sua angústia é tão real quanto a das outras pessoas”. É tão real mesmo? Porque só as classes abastadas ou que tenham tido acesso mínimo à educação dão-se o luxo da tristeza. Porque só nós leitores de jornais abraçamos a depressão? Luiz Ruffatto, escritor que aprecio muito e que tive o imenso prazer de conhecer narra a impossibilidade de mudança do miserável, preso para sempre a sua própria constância de miséria, frio e fome. Tristeza essa tão real, que só cede espaço para abusos sexuais e outras privações, seja do calor materno que trabalha 24horas como auxiliar de limpeza, seja do abraço do Pai, que está preso por arruaça nas ruas. Vale lembrar a legião de ratos, insetos e vermes que acompanham cada gota de lágrima que cai do rosto de uma criança que abraça o irmãozinho para que ele não sinta o ardor das escoriações inflamadas. Também pudera apanhou como cão do padrasto bêbado que só queria ficar só e esquecer essas malditas crias da vagabunda que não lhe deu o cú na noite anterior. Porque não apanho eu? Porque não tenho eu o prazer de chorar numa noite fria, mas chorar de dor e não chorar porque não resolvi meu Édipo.
Cadê a chance desse guri que vende pastel, da menina, do irmão fodido, da mãe, da vagabunda, do bêbado, do motorista de chorarem pelos seus édipos, eléctras, histerias, transtornos bipolares, etc etc etc e mais de tantos outros do jargão de divã. Culpa burguesa? O caralho, pensei do alto da janela. É culpa de vida mesmo. Talvez uma boa razão para deixar meu ateísmo de lado e assim, como esses personagens freqüentar uma nossa senhora de alguma coisa e aguardar com afinco o paraíso e a reencarnação.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Cartas marítimas



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Inspirada pelo fim da leitura de "Na praia" de Iwan McEwan, ou talvez no simples bater-pernas pela Paulista, comprei e li hoje (impossível parar) "Cartas Portuguesas", de Mariana Alcoforado. Publicada em autoria anônima, a compilação apresenta cinco cartas provavelmente escritas por uma freira portuguesa em clausura desde os 12 anos de idade para um militar francês no século XVII. Tristes, as correspondências foram avaliadas por Rilke, Russeau e outros tantos pesquisadores e são tidas até os dias atuais como o mais puro relato de amor e paixão já "lidos" na literatura ocidental.


São cerca de 70 páginas em uma edição de bolso da L&PM, mas contém em toda sua pequenez em tamanho, a grandiosidade do sentimento de desconsolo e abandono de uma rejeição, da luta de uma mulher enclausurada por uma paixão que terminou por ser cruel e fatal. Ao mesmo tempo que ela amaldiçoa seu amante, ela o perdôa por ter lhe permitido amar de tal forma. Da mesma forma que ela condiciona sua vida de amargura e angústia a ele, ela também condiciona sua morte ao não amá-lo ou não o tê-lo amado.


"Na praia" por sua vez narra a tristeza de uma relação entre recém-casados (ambos virgens) em pleno início da década de 60, antes da verve de libertação sexual. Fadado ao desencontro das duas vidas, o livro deixa, contudo, embora paradoxalmente, a esperança na desesperança. Fica aquela idéia Vinícius .... antes ter amado e sofrido do que não sofrer e não ter amado.

Publicamente me vejo como essas personagens; ora a freira de amor real e carnal, ora a jovem musicista frígida, embora precocemente libertária e, infelizmente, incompreendida.


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Deixo um breve trecho da terceira carta de Mariana:


"Adeus! Parece-me que falo demais no estado deplorável em que me encontro. No entando, do fundo do meu coração te agradeço o desespero que me causas, e detesto a tranqüilidade que vivi antes de te conhecer."


quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O pulitzer da solidão

Uma passagem do último livro do Philip Roth, "Homem comum", me chamou muita atenção. Ela é relativamente simples e não tem nada de excepcional como literatura, mas casa muito bem com a situação de desconsolo que o livro propõe: o envelhecer, a morte e a vida em toda sua pobreza. No imaginar das relações shakespearianas como pontos sadios e lúdicos, quando na verdade, resta apenas a mais violenta solidão. O encontrar-se com o outro é sempre violentamente individual e a paixão é terrivelmente amarga de tragar (e viva meu plágio de Chico Buarque)....



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Fica a passagem:



"'O que fiz de tão errado?', perguntou Phoebe, 'pra você querer me humilhar dessa maneira? Porque é que você quis destruir tudo? Será que estava tão horrível assim?Eu já devia ter me recuperado do choque, mas não consigo. (...) Você nem sabia que eu sabia, não é? Então, eu sabia.' (...) Mas essas histórias são muito conhecidas e não é preciso entrar em maiores detalhes. Phoebe o expulsou na noite após o enterro de sua mãe; eles se divorciaram depois de negociar um acordo financeiro..."





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E o Pulitzer vai para a solidão...não é uma grande literatura em termos estéticos, mas é uma "pêga" (como diz o povo que tanto amo) ... é uma "pêga de tratado filosófico"....

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Imagina se a cada sinapse tocássemos música

como um player de algum tipo, ou um radiozinho pronto para o apertar de um botão....

Fica aí, a chanson do momento...do Camera Obscura.




Come back Margaret

Come back Margaret he wants to adore you
Come back Margaret I'd like to explore you
Can't you see the tears in my eyes
With love for him I disguise

I like the free days with no expectations
I like it my way with no limitation
Still you see there are tears in my eyes
With love for him I despise

Darling you will always be around
Whether my mood's up or if it's down
In dreams I try to take you far away
But you never stay
No you never stay


No you never stay

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No começo eu achava que minha vida era deliciosamente um filme francês. Hoje cansei dos roteiros Truffaut que me perseguem. Quero ser Spielberg (vale até terror ou tragédia hollywoodiana); quero maluquices Almodóvar, quero até Império dos Sentidos e morrer daquele jeito asqueroso. Quero mais que a lamentação, a filosofia e os acontecimentos randômicos que andam com tanta persistência atrás de mim.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

desculpas, medo, perda

Um
isqueiro sem botão para pressionar
Um cigarro não aceso,
eu e a tensão de te aguardar.


Dois?

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

auto-crítica ou a leoa

Ainda não escrevi neste diário virtual sobre aquilo que "estou lendo". Há alguns dias comecei a enfrentar o romance "Juventude", do Coetzee. Escrevo a palavra enfrentar, pois desde que entrei em contato com o livro, logo na primeira página, me vi acometida de uma súbita aflição que tem se traduzido, diariamente, como uma náusea constante e presente.

Em uma África do Sul marcada pelo apartheid, há um jovem rapaz que, com toda sua "brancura" se vê sem pátria em uma época pré-revolucionária, onde as milícias celebram assassinatos, prisões e violências diária. John, esse moço, parte para Londres na tentativa de escapar da sua não-identidade, tornando-se aquilo que sempre sonhou ser: um poeta. Na mímese de grandes artistas, ele quer uma grande paixão: uma mulher que reconheça a arte que, segundo ele, há dentro de sua mente e presa no seu corpo de estrangeiro mal ajambrado.

Entre idas e vindas ele segue seu rumo por um emprego indigesto na IBM. Emprego que no momento da leitura em que me encontro (quase no final) ele acabou de largar para então se dedicar completamente à poesia, ou à prosa, embora ele considere esta segunda uma arte menor.

A ânsia que me vem e o constante sufocamento que me pego a cada nova linha lida, me leva a reconhecer como sou próxima deste garoto pedante que realmente acredita ser um poeta não compreendido. Me vejo assim, traduzida na mesma sensação de impossibilidade de ser, na permanência daquilo que não é e que busca pedaços de outros para se completar.

Estou com cada vez mais dificuldade de terminar o relato de Coetzee. Talvez porque esteja com medo de assistir a uma projeção do meu próprio futuro, enfadonho, comprometido e com tão pouca arte presente.





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Um trecho de Juventude, de Coetzee:



"Leva um livro de poesia no bolso, às vezes Hölderlin, às vezes Rilke, às vezes Vallejo. No trem, tira ostensivamente do bolso o livro e se absorve nele. É um teste. Só uma garota excepcional apreciaria o que está lendo e reconheceria nele um espírito excepcional também. Mas nenhuma garota nos trens presta atenção nele. Isso parece ser uma das primeiras coisas que as garotas aprendem quando chegam à Inglaterra: não prestar atenção nos sinais dos homens."





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Por fim, uma besteirinha que escrevi há pouco...


Cotidiano de sol

Calada
na relva uma leoa espreita
quer sangue.
O cheiro do filhote,
o macho ali, deitado e sempre incapaz.
Vergonhoso, pensa ela aos bocejos.
Lá vai, caça uma lebre, com sorte uma zebra.
Arranca o couro e dá na boca da cria
uma pata, um rabo, quiçá uma costela.
Feliz, vê o chefe do bando se esbaldar de intestinos, estômago e músculo.
O resto é dos urubus,
e a ela, a presença infeliz do maldito cheiro de sangue.
Falta amamentar, pensa.
Uma lambida, dois banhos e uma nova caçada se anuncia.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Ah! Doce Bois de Boulogne....

Aurora

No sonho de poucos
a lembrança de algodão doce
e a infância perdida.

Veja a menina
antes maria-chiquinha
agora brinca nos postes
de Chica da Silva

As luzes que vêm
com os olhos felinos
piscam.

As máquinas
apreciam os seios
ainda tão pequeninos.

Antes brincando de laço de fita no balanço.
Hoje, na balança presa com algemas de mais um velho gordo.


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DESABAFO DE DIVÃ:



Francófonos afoitos e alguns internamente rotos justificam é a hipersexualidade brasileira que seduz as mãos decrépitas.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Pequeno começo de algo maior


Uma rosa desabrochava perto da minha janela. Fitei-a. As pétalas desabrochavam lentamente e chamavam lentamente uma abelha cujos olhos dedicavam-se somente à violeta do canteiro da praça.
Em vão desespero percebi a rosa intensificando o ritmo de abertura de seu miolo. Ela chamava alguém, uma outra abelha ou lagarta feia e peluda que fosse. Ela queria alguém para admirá-la, cheirá-la, ... De canto de lábio me disse: - Ei. Você aí. Não vê que meu choro não tem resposta?

Atônita, não sabia o que lhe responder.


sábado, 22 de setembro de 2007

Algodão ou espinho?

Ando de forma bêbada pelas esquinas de mim mesma. Descubro que pouco sei do caminho; não conheço nada efetivamente e, de repente, quando encontro um mapa e sigo as determinações acabo indo para mais longe do que quero. Quando me perguntam o que é, o que sou, o que gosto, quero, desejo, anseio, detesto, temo... respondo sempre um grande e luminoso “não sei”.

Pois então, sigo no verão não verão que começa a se apresentar em São Paulo. Sigo ouvindo canções na tentativa de mapeá-las para então me conhecer. À cratera aí vou!

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Love And Some Verses Lyrics

(Iron & Wine)

Love is a dress that you made

long to hide your knees

love to say this to your face,

"I'll love you only"

for your days and excitement,

what will you keep for to wear?

someday drawing you different,

may I be weaved in your hair?

Love and some verses you hear

say what you can't say

love to say this in your ear,

"I'll love you that way"

from your changing contentments,

what will you choose for to share?

someday drawing you different,

may I be weaved in your hair?

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Meu meio seio

Dentre todas as Almas já criadas

Emily Dickinson


Dentre todas as Almas já criadas -
Uma - foi minha escolha -
Quando Alma e Essência - se esvaírem -
E a Mentira - se for -

Quando o que é - e o que já foi - ao lado -
Intrínsecos - ficarem -
E o Drama efêmero do corpo -
Como Areia - escoar -

Quando as Fidalgas Faces se mostrarem -
E a Neblina - fundir-se -
Eis - entre as lápides de Barro -
O Átomo que eu quis!

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No ritmo de menina, posto um meu:

Que fique claro que em nenhum momento me comparo a Emilly D. Certamente uma das grandes representantes da poesia. A ambigüidade e a multiplicidade de significados que ela buscou em seus versos fazem do resto dos "pretensos escritores" (como eu) descobrir que somos ainda (e talvez, para sempre) muito literais.



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Poeminha de contos-de-fada



Tem um príncipe:

montado num cavalo chileno de sela verde.

Ele queria uma princesa

e encontrou uma rã.

Ele queria dar um anel a uma moça,

deu foi uma adaga ao vilão.

Ele queria pescar uma truta para o jantar

e acabou comendo as minhocas da isca.

Ele queria ser amado,

e o foi verdadeiramente.

A rã aguardou sua transformação,

mas como lagarta ao casulo voltou.



segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Assim, de vez em quando...




Acordo com uma vontade imensa de roubar todos os sentimentos do mundo; de todas as pessoas e jogá-los em um saquinho só meu. Nele, o qual denominaria meu “saquinho egoísta” estariam todos os desejos, os medos, os ódios, os amores, as lembranças de todos no mundo. A humanidade por sua vez, não sentiria muita falta dos seus próprios sentimentos. (Talvez das lembranças). E logo recomeçaria a encher o próprio estoque, ou os próprios saquinhos.


Pois então, viveriam suas vidas e acumulariam tudo de novo. Mas, eu, ah! Eu sim teria por um momento todo o sentimento do mundo inteiro. Parafraseando Drummond, eu guardaria ainda que só para mim (não correria o risco de dar idéias aos outros) tudo o que foi sentido por todo mundo em determinado instante.


Levaria comigo (e colocaria no saco) só as lembranças menos queridas, aquelas por vezes deixadas de lado no meio das sinapses que vão e vêm. Levaria um cheiro, deixado por sua pequenez; um beijo, deixado pelo pequeno asco que ele causava; um pêlo – afinal, ninguém quer lembranças de pêlos. Levaria um doce comido pela metade e que ficou grudado embaixo da cadeira de balanço. Roubaria um pedaço de algodão ou de gaze que estancou um corte com a faca proibida da mãe. Pegaria só uma tampa de bic, mordida em dia de tensão porque ele não ligou.


Pegaria tudo, assim, de vez em quando. E aí, quando essas memórias e sentimentos se perdessem neles mesmos, roubados pelo próprio tempo eu os devolveria aos lugares de origem. Imaginem o rebuliço que seria reencontrar a tampa da caneta, a gaze e o maldito pentelho.


***


Como a linguagem foi bastante infantil, lembro de um poema (que não é tão infantil), mas que eu recitava muito quando menina:


O MUNDO É GRANDE

Drummond

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Macbeth, o sono e a maravilha do domínio público

Passeando pelo mundo virtual, encontrei boa parte das peças de Shakespeare disponíveis e gratuitas para download. (www.dominiopublico.gov.br). Decidi então "postar" um dos meus diálogos favoritos da minha peça "shakespeariana" favorita: Lady Macbteh e Macbeth conversam sobre a morte do sono; barulhos e a perseguição de assassinar o "dormir dos justos". Não somos todos assassinos de sono, visitando uns aos outros com nossas adagas entre as mãos e as vendo assim afiadas, mirando a nossa direção.

Enquanto isso, dormi 100 anos.





"MACBETH - Por que causa não pude, então, dizer "Amém?" De bênção tinha necessidade mui premente; mas na garganta o "Amém" ficou pegado.

LADY MACBETH - Essas coisas não devem ser pensadas dessa maneira. E de deixar-nos loucos.

MACBETH - Uma voz pareceu-me ouvir, aos gritos de: "Não durmais! Macbeth matou o sono!" o meigo sono, o sono que desata a emaranhada teia dos cuidados, que é o sepulcro da vida cotidiana, banho das lides dolorosas, bálsamo dos corações feridos, a outra forma da grande natureza, o mais possante pábulo do banquete da existência.

LADY MACBETH - Que pretendeis dizer?

MACBETH - Por toda a casa continuava a gritar: "Basta de sono! Não durmais! Glamis destruiu o sono! Por isso Cawdor já dormir não pode, Macbeth dormir não pode!"

LADY MACBETH - Quem gritava por esse modo? Ora, meu digno thane, relaxais vossas nobres energias considerando as coisas por maneira tão doentia. Arranjai um pouco de água, para das mãos tirardes todas essas testemunhas manchadas. Por que causa trouxestes os punhais de onde se achavam? Precisam ficar lá. Tornai a pô-los em seus lugares e sujai de sangue os criados que ainda dormem.

MACBETH - Não; não volto. Tenho pavor só de pensar no feito; voltar a contemplá-lo me é impossível.

LADY MACBETH - Oh! que vontade fraca! Dai-me as armas. Os mortos e os que dormem são pinturas, nada mais. É somente o olho da criança que tem medo do diabo desenhado. Se estiver a sangrar, deixarei tintos com isso o rosto de seus próprios criados, pois é preciso que pareça que eles o crime cometeram.
(Sai lady Macbeth)

MACBETH - Onde batem? Que se passa comigo, para um simples ruído apavorar-me? E aquelas mãos, ai! que os olhos me arrancam? Todo o oceano do potente Netuno poderia de tanto sangue a mão deixar-me limpa? Não; antes minha mão faria púrpura do mar universal, tornando rubro o que em si mesmo é verde.

(Volta lady Macbeth.)

LADY MACBETH - De vossa cor as mãos agora tenho; mas de possuir ficara envergonhada um coração tão branco.

(Pancadas dentro.)

Ouvi! Novas batidas. Ide logo vestir vosso roupão; se nos chamarem, não devemos mostrar que não dormimos. Não deveis entregar-vos a essas cismas tão miseravelmente.

MACBETH - Conhecer o que fiz... Melhor me fora se não me conhecesse."

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

O roubo das rosas



Dedico o mito do roubo das rosas a uma amiga que também anda nesses caminhos virtuais. É genial pensar como Clarice transcreve a escolha de aceitar ou não a feminilidade. O desejo que passa a nascer na jovem menina, que cresce e se expande a ponto de fazê-la aceitar a rosa e então, picar o dedo no espinho e sangrar. O conteúdo do escrito clariciano é tão puro que faz eu me questionar se deveria ou não estar escrevendo. Afinal, ela é absolutamente insuperável.

Ela, e tantos outros. Preciso voltar às páginas do Rilke.





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Cem anos de Perdão está no Felicidade Clandestina, e no Para Gostar de Ler n.9.

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"CEM ANOS DE PERDÃO



Quem nunca roubou não vai me entender. E quem nunca roubou rosas, então é que jamais poderá me entender. Eu, em pequena, roubava rosas.

Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que ficavam no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos muito de decidir a quem pertenciam os palacetes.
"Aquele branco é meu." "Não, eu já disse que os brancos são meus." Parávamos às vezes longo tempo, a cara imprensada nas grades, olhando.

Começou assim. Numa dessas brincadeiras de "essa casa é minha", paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar. E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores.

Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta cor-de-rosa-vivo. Fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira que nem mulher feita ainda não era. E então aconteceu: do fundo de meu coração, eu queria aquela rosa para mim. Eu queria, ah como eu queria.
E não havia jeito de obtê-la. Se o jardineiro estivesse por ali, pediria a rosa, mesmo sabendo que ele nos expulsaria como se expulsam moleques. Não havia jardineiro à vista, ninguém. E as janelas, por causa do sol, estavam de venezianas fechadas. Era uma rua onde não passavam bondes e raro era o carro que aparecia. No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como coisa só minha. Eu queria poder pegar nela. Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de perfume.

Então não pude mais. O plano se formou em mim instantaneamente, cheio de paixão. Mas, como boa realizadora que eu era, raciocinei friamente com minha amiguinha, explicando-lhe qual seria o seu papel: vigiar as janelas da casa ou a aproximação ainda possível do jardineiro, vigiar os transeuntes raros na rua. Enquanto isso, entreabri lentamente o portão de grades um pouco enferrujadas, contando já com o leve rangido. Entreabri somente o bastante para que meu esguio corpo de menina pudesse passar. E, pé ante pé, mas veloz, andava pelos pedregulhos que rodeavam os canteiros. Até chegar à rosa foi um século de coração batendo.

Eis-me afinal diante dela. Para um instante, perigosamente, porque de perto ela é ainda mais linda. Finalmente começo a lhe quebrar o talo, arranhando-me com os espinhos, e chupando o sangue dos dedos.

E, de repente - ei-la toda na minha mão. A corrida de volta ao portão tinha também de ser sem barulho. Pelo portão que deixara entreaberto, passei segurando a rosa. E então nós duas pálidas, eu e a rosa, corremos literalmente para longe da casa.

O que é que fazia eu com a rosa? Fazia isso: ela era minha.

Levei-a para casa, coloquei-a num copo d'água, onde ficou soberana, de pétalas grossas e aveludadas, com vários entretons de rosa-chá. No centro dela a cor se concentrava mais e seu coração quase parecia vermelho.

Foi tão bom.

Foi tão bom que simplesmente passei a roubar rosas. O processo era sempre o mesmo: a menina vigiando, eu entrando, eu quebrando o talo e fugindo com a rosa na mão. Sempre com o coração batendo e sempre com aquela glória que ninguém me tirava.

Também roubava pitangas. Havia uma igreja presbiteriana perto de casa, rodeada por uma sebe verde, alta e tão densa que impossibilitava a visão da igreja. Nunca cheguei a vê-la, além de uma ponta de telhado. A sebe era de pitangueira. Mas pitangas são frutas que se escondem: eu não via nenhuma. Então, olhando antes para os lados para ver se ninguém vinha, eu metia a mão por entre as grades, mergulhava-a dentro da sebe e começava a apalpar até meus dedos sentirem o úmido da frutinha. Muitas vezes na minha pressa, eu esmagava uma pitanga madura demais com os dedos que ficavam como ensangüentados. Colhia várias que ia comendo ali mesmo, umas até verdes demais, que eu jogava fora.

Nunca ninguém soube. Não me arrependo: ladrão de rosas e de pitangas tem 100 anos de perdão. As pitangas, por exemplo, são elas mesmas que pedem para ser colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens."






quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Êxodo dos fantasmas, das coisas translúcidas e das teias

Não está terminado, mas ele (o poema) praticamente "se postou" sozinho. Acho que precisava exorcizá-lo porque aqui, escrito no caderno, ele olha para mim como se contestasse quem sou.

Alguns personagens tendem a me perseguir: a espreitar assim, quietinhos, meu cotidiano para então denunciá-lo a todos os cantos, a todas as teias e a todas as moscas, aguardando enfim a chegada de uma aranha grande e triste.



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Suspiro

Se todos falassem tua língua
Beberias teu próprio veneno
Comerias tua fruta finita
E andarias assim tão pequeno.

Não mais denunciarias meus beijos.
Ardilosos seriam os outros,
Engrandecidos pela tua pequenez,
Convencidos de não serem mais ogros

Ah. Se ao menos roubassem tua força,
Eu seria virgem novamente,
Amaria, me deitaria não importa onde
E tu sofrerias como uma moça frágil



(Que hoje sou eu)


Se matassem todos teus sonhos
E aniquilassem teus comandos
Eu seria eu mesma, sem roubos.
Finalmente livre e feliz.






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segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Todo dia ela faz tudo sempre igual, ...


Fim na metrópole

As cordas vocais metálicas
A respiração ofegante
Que não faz fotossíntese
Afônicas, as risadas ainda estáticas
O sobressalto!
Novas ordens no alto-falante
Apoiado nas gigantes construções fálicas
Os cheiros e odores
Misturados à ausência pulmonar
Correm barrigas e umbigos
Apressados na esperança de cedo chegar

Cabe o desejo de falar com aquele?
-Pode não!, responde mais um
Excluído condutor
-Tens vontade de passar adiante?
- Porquê?, pergunta irritado
Alguém preso no instante.

Sobre a fome de cores,
Se reúnem todos no cinza
O sexo ardil; janela fechada
É melhor evitar o olhar voyeurista

Na manhã mais uma seqüência
Passos apressados e a mesma turbulência
Um revólver na mão da senhora
Um beijo não dado, o adeus
O gosto de jaca dura no fim da tarde
E a lembrança de correr lá fora.
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Posto uma tentativa diferente; algo fora da temática introspectiva-jovem mulher - angústia. Embora, dou uma pequena dica "autoral", continue presente a figura do feminino. Ora como metrópole, ora como senhora, sempre como assassina.
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quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Democratização do ego

Um daqueles dias de inverno: o frio interno e a banheira. Deixo apenas um poema antigo, inacabado, não-corrigido, mas que de alguma forma, precisa aparecer no meu universo virtual. Universo este, cada vez mais exposto. Presente e identificando cada pedaço da minha persona, ou personas. Já que são várias...todas aí (ou aqui) tolas, se mostrando verdadeiras como partes de mim. Nossa...ego na internet...maravilhas do mundo moderno...democratizar a informação inútil da terapia pessoal...Maravilha!



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Canto passado

A camisa desabotoava sozinha,
o pé direito insistindo em se contorcer.
Na falta da cama, o batente
segurava o corpo.
Teu sussurro repetia o verbete ‘você’
O ventre doía
Tuas mãos trêmulas
abafavam o som da cômoda
que rangia.
Os suspiros calados,
os murmúrios torpes
ao alcance de todos
Mantinham-se únicos,
privados.
Éramos tão tolos!
O beijo tímido,
a vestimenta recomposta.
Abria-se a porta e
O grito da mãe avisava o fim do amor:
A mesa estava finalmente posta.







sexta-feira, 22 de junho de 2007

Caminho no deserto



Em configuração constante. Tento compreender o elo umbilical, mas sempre chego ao impasse da culpa. Culpa burguesa, culpa de ter, culpa de amar, culpa de me deixar amar, culpa de fugir, culpa de tentar exercer minha dita autonomia, culpa de errar, culpa também de acertar, culpa culpa culpa. Deve ser essa herança de povo do deserto...preciso de constante mobilidade...levo apenas aqueles laços que consigo carregar no lombo do camelo.









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Culpa esta completamente improdutiva. Afinal, assim não há probabilidade de fracassar, mesmo sendo um fracasso disfarçado de pessoa completa - que não apreende o próprio fracasso e sai, por aí, ofertando pílulas de risos na tentativa de não ser vista. Ao mesmo tempo, brinco de "diário virtual" e finjo que aqui ninguém me conhece.



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Lavo minhas mãos. Sou responsável por tudo, mas não hei de assumir "no discurso oral" minha participação. Logo, lavo minhas mãos.


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Pra variar. Ainda é poema. E também é canção.


ANA NA CACIMBA
(domínio público, baião de princesas da Casa Fanti-Ashanti). Na voz e nas mãos do Axial.

Ana mora na cacimba
Na cacimba, eh
Ana mora na beira do rio
Na cacimba, eh
Música incidental: Tamandaré, Cacimba Nova (melodia de catimbó da Paraíba, anotada por Mário de Andrade)
Tamandaré, cacimba noca
As água toda remói

domingo, 3 de junho de 2007

Bate-papo no São Pedro e São Paulo

Conversava com um novo amigo sobre novas ondas de misticismo e religião que aparentam conquistar inúmeras pessoas no mundo inteiro. A nova mania é o saber-ser da física quântica, com seus "segredos" transcritos em livros e filmes. Novamente, não julgo, mas devo responder ao que me sempre é questionado como se eu fosse uma herege ou algo do tipo. Por exemplo, compreendo toda essa alusão que se faz ao desejo, projeção e materialização. Se a vontade é verdadeira e as "ligações'' e elos entre os seres também, então o objeto e ou conquista abstrata se materializará. Meu problema com tudo isso: e a África? e a guerra na Palestina? No primeiro caso, há milhões de pessoas pensando e exaltando em uníssono o verbete "comida" e no segundo a palavra "paz" é igualmente manifestada. Porém, dado o fatídico DESTINO não conseguem nem um nem outro. Os crentes (e dou graças - na própria linguagem- que alguém crê em algo) justificam apontando algo como justiça divina, reencarnações, planos, karma, penitência, promessa de paraíso. Eu gostaria de crer, mas essa onipotência, para mim, está no mínimo, em mãos um tanto sádicas. Não consigo entender como é possível justificar a miséria, a fome e a morte assim tão facilmente como destino, ou Deus. Me eximo então dessa culpa? Não. Pois embora não a veja acontecendo tão cedo, projeto esse Deus em revolução, transformação social. O misticismo terá que abrir espaço para uma mudança do capital, por mais clichê que ele soe. Fica então meu desabafo e no fundo uma vontadezinha de crer e assim, eximir-me da culpa e projetar minhas angústias em Deus e justiça do destino.



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Nesse momento, algo meu:





Conversa agnóstica



Tem um monge

que anda ligeiramente apressado

no meio de tantos não-monges

- aqueles travestidos com hábito.



Anualmente em convenção,

o frade faltou ao encontro.

Pobre religioso,

achou que chegaria atrasado.



Ah. Mas a freira e a mestre hindú.

Essas sim. Faziam sexo performático.



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E para esse mesmo amigo, algo de Mia Couto, em "Um rio chamado tempo, uma casa chamada Terra":

"Uma secreta inveja o roía por dentro. Queria ser ele a partir, a romper com tudo em trânsito para um outro ser. Não era que concordasse com os ideais de Fulano. Estava era cansado. A injustiça não podia ser mando divino. E a sua instituição se acomodara tanto, que parecia ajoelhar-se mais perante aos poderosos que perante a Deus.

-Imagino quanto teu pai sofre a ver tudo que está a acontecer.

Mas, a miséria em Luar-do-Chão era, para o sacerdote, somente a antevisão do que iria acontecer com as nações ricas. A violência dos atentados nas grandes capitais? Para ele era apenas um presságio. Não era só gente inocente que morria. Era o colapso de todo um modo de viver. Pena nao haver uma crença para onde fugir, como fizera Fulano Malta há vinte anos."





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E sobre o título: sim, uma alusão meia-boca ao Conversa na Catedral de Mario Vargas Llosa, que assumo, não consegui acabar de ler....sempre com a justificativa da falta de tempo. (Mas, passei da metade...JURO, seguindo o vocabulário cristão desse post.) Ah. E é também uma homenagem a "um dos melhores bares de São Paulo" que fiquei muito feliz de conhecer.

domingo, 27 de maio de 2007

Nos mantos de Vesta

O sol desse meio inverno começa a se deitar, meus braços, pernas e pescoço tomaram ligeiramente para a direita indicando o travesseiro que parece estar simplesmente tão perto. Mas, não. Alguma voz mecânica insiste que é preciso resistir ao charme de Vesta e voltar a rotina que tanto proíbe o sossego. O próprio sibilar da palavra é tentador. Sossego. Vontade de sumir, no solfejo sossegado de qualquer canção para erê dormir. Aliterações que literatos condenariam, mas oferecendo toda liberdade para tentar, provar, errar e aproveitar cada detestável repetição.


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O Sono

Álvaro de Campos

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono! ...


***



Gosto de pés. Não como fetiche, mas como todo o cansaço que representam em cada rugazinha estrategicamente marcada na base dos dedos.


terça-feira, 1 de maio de 2007

vida?

Hoje: fragmentos do discurso amoroso...Barthes.


Escrever por fragmentos: os fragmentos são então pedras sobre o contorno do círculo: espalho-me à roda: todo o meu pequeno universo em migalhas; no centro, o quê?”



terça-feira, 24 de abril de 2007

Terça-feira e o sofá jungiano

Depois de algum tempo sem mímese mais deslavada, algo meu. Ainda no clima do pecado original.


Eva

Tua doce cor
no semblante de menina virgem.
Lótus rotunda e úmida
indica o rumo. Tua margem.
'Cala-te' e ouve o gorjear da garça escondida
-si blanche – entre a folhagem.

Cobre teu fruto rubro
E prova estes morangos.
Exalta a mim toda tua beleza,
Teu gesto de menina. Ah...quanta franqueza.

Pensas que não quero mais,
Porém meu desejo é saciado.
Bebo teu sangue são
E ofereço a ti meu lábio.

Come, pequena aprendiz,
os outros frutos escondidos.
Larga-te desse aí
Que jura ser à imagem
e goza aos meus ouvidos teus dilúvios proibidos.


segunda-feira, 23 de abril de 2007

Pós-peritonite, colite, adenite...

Hoje, pela manhã, li uma matéria na Folha de São Paulo que apresentava uma espécie de palestra concurso organizada por bookers e agências em Novo Hamburgo na tentativa de descobrir mais uma top nº 1...uma Gisele, ou quelque chose comme ça...
Bueno! O dito evento reuniu um número enorme de garotas (crianças, adolescentes e jovens adultas) que pagavam quase R$900 para uma possibilidade de se entregar aos flashes e às passarelas da convidadtiva (e lucrativa) indústria fashion.
Não faço juízo, nem condeno. Porém, a questão da beleza e da "PROFISSÃO MODELO" (Vale um Blow up da vida? sem trocadilhos....falo do filme mesmo) é realmente intrigante. Especialmente no Brèsil-de-todos-os-dias...


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Pensando em beleza, juventude, eternidade, maquiagem, pó-de-arroz e balanças, pensei em um texto da Margaret Atwood...acho que cabe colocá-lo por aqui.

Chega de retratos

Chega de retratos. Já existem em número suficiente. Chega de sombras de mim mesma impressas pela luz em pedaços de papel, em quadrados de plástico. Chega de olhos, bocas, narizes, humores, ângulos ruins. Chega de bocejos, dentes e rugas. Eu sofro com minha própria multiplicidade. Duas ou três imagens seriam suficientes, ou quatro ou cinco. Isso teria permitido uma idéia firme. Esta é ela. Desse jeito, sou aquosa, ondulo, a todo momento me dissolvo em meus outros eus. Vire a página: você ao olhar, fica de novo confuso. Você me conhece bem demais para me conhecer. Bem demais não: demais.

(Do interessante -conjunto de ensaios - livro "A tenda")


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A imagem do escritor é realmente fascinante. Obviamente, ela permanece. De canto, muitas vezes. Acoplada na 'orelha' do livro....aquela fotinho do escritor...com rugas, óculos e um péssimo corte de cabelo.
Aos náufragos como eu (em assuntos tão midiáticos) fica aí o recado da Maggie. Oferecido atado ao discurso da beleza, da juventude, do escrever itself e porque não para alguém. Ele, sempre ele. Aquele ainda inominável em toda minha solidão.






quinta-feira, 12 de abril de 2007

Morceau de Manhã

É. Mais uma manhã. Um outro dia que recomeça e eu, continuo a peregrinação rumo ao usual. Saco. Finjo e esboço sorrisos que já viraram automáticos e nem são propriamente fingimento. Sorrio pela falta de opção ou de um lenço grande o suficiente pra durar um dia inteiro e que não deixe o nariz vermelho. Hoje...de manhã...nesta manhã...deixo Marçal Aquino...só um pedacinho....de "A missão". Sugestivo?!







"Você vai acabar se machucando de verdade", a mulher disse.E apontou a pilha de livros sobre o criado-mudo. Livros baratos, de papel ordinário.“Seria melhor você parar de ler essas, porcarias, estão piorando a sua cabeça.”










segunda-feira, 9 de abril de 2007

A Páscoa, duas ovelhas e um alienígena.



Acordo certos dias com a certeza da não-finitude. Obviamente, com todo ímpeto de pessoa ultra-quero-enganar-a-mim-memso-sou-cética-!!! refuto a premissa da suposta eternidade e caio no cotidiano enfadonho, esperando o bordão "from ashes to ashes; from dust to dust (ou algo do tipo)".

Bom, hoje, naturalmente, acordei completamente cotidiana. Ressaca pós-tentativa "Pascoal/ Pasqual" de domingo de esquecer qualquer celebração mística ou frase de "ah, pelo menos nos encontraremos na outra vida" regada a vinho tinto. Volto a mim. Volto ao trabalho e volto a "futucar" a internet - como toda suposta "jornalista" (e atenção às """"" de jornalista) e descubro algo perfeito para ilustrar meu bom humor cotidiano. Realmente. De vez em quando, o X passa a valer a pena.





Para entender a los extraterrestres.


Estudio etnológico de una creencia contemporánea. Wiktor Stoczkowski.


Tradução de Francisco S. García-Quiñonero Fernández. Acento Editorial. Madri, 2001.


(...) Com este título se apresenta a edição espanhola da obra "Des hommes, des dieux et des extraterrestres" do etnólogo Wiktor Stoczkowski. Sua intenção declarada é submeter a estudo desde a perspectiva etnológica uma crença contemporânea, a teoria de que a civilização humana surgiu como conseqüência do trabalho colonizador de visitantes extraterrestres.”





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Lembro do Guardador de Rebanhos, voltando a F.P.




Li Hoje

Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.