quinta-feira, 31 de julho de 2008

engrenagem

Há tempo não posto nada por aqui. Escrevi esta brincadeira em Budapeste. Novamente, uma tentativa de conto. Ainda não sei o quanto me dou bem com esse estilo..., porém continuo me aventurando...



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Motor

Carlos Alberto chegou do dentista decidido a mudar de vida. Sua nova estrada não era algo que sabia ao certo, porém reiterou a si mesmo que não mais aceitaria os motorzinhos do mundo. Sem deixar que o tempo lhe roubasse os desejos, correu para a frente do computador e encontrou na página solteiroqueralguém.com alguém com quem pudesse jantar.

Com pouco ou nenhum talento para escolher seu traje para o grande evento, optou por uma calça jeans e uma camiseta branca. Escolheu uma das últimas cuecas novas do pacote de R$15,99 e calçou um par de meias limpas.

Caminhou apressado, deixando as marcas do solado de borracha na saída. Tropeçou uma vez no portão e lembrou que não mais poderia evitar o conserto do pavimento no quintal. Decidiu, porém, que essa seria sua atividade de domingo, já que o jogo de futebol com Cléber fora cancelado.

Continuou correndo ofegante para o ponto de ônibus. Assim que se encontrou sozinho na rua, aproveitou e deu uma cheirada no próprio sovaco. Estava em ordem. Achou melhor não pegar o carro, pois assim teria a chance de acompanhar, a pé, a moça até sua casa. Como não tinha muito a oferecer, preferiu apostar que ela notasse o quanto era alto e atlético.

Fingindo ser um homem confiante tocou a campainha uma única vez e aguardou três longos minutos até que alguém abrisse a porta.

Ali estava ela. Não era particularmente magra, nem gorda. Tampouco era alta, mas também não era baixa. Não tinha os olhos castanhos claros, como seu perfil descrevia. Não era nenhuma dríade, mas, para a felicidade de Carlos Alberto, não era nenhuma medusa.

Era simples. Normal. Positivo ou negativo, não tinha nada que a destacasse na multidão. Já que ele também não tinha nada de espetacular a oferecer ao mundo, sentiu-se confiante. A ida postergada por tantos anos ao dentista tinha lhe feito bem.

Sem elevar o tom de voz, mas sem sussurrar não mentiu sobre a aparência da garota. Disse-lhe sem rodeios que ela estava ok. Ela não piscou, nem sorriu. Mas, também não se fez de rogada, nem se ofendeu com o comentário desajeitado.

- Fabíola. Você gosta de pizza?

Ela acenou afirmativamente e segurou sua mão. Juntos caminharam até a Donna Nonna, onde se sentaram em uma mesa discreta. O cardápio veio e com ele duas taças do vinho da casa oferecidas como gentileza ao cliente fiel.

Comeram sem muito falar, discutindo as amenidades de um primeiro encontro. Decido a não se irritar com pequenas coisas, Carlos Alberto fingiu não se importar com o mastigar um pouco exacerbado da garota. E ela, também, NAQUELE estágio de vida se forçou a ignorar as pequenas manchas de suor amarelado na camiseta branca do rapaz.

Saíram ainda mais quietos do que entraram e caminharam de volta ao apartamento da garota. Sem cerimônia, ela o convidou para entrar e ele aceitou. Despiram-se e deitaram na cama. Transaram de forma sutil. Não foram animais, mas também não estavam mortos. Dormiram.
No dia seguinte, Carlos Alberto se levantou e voltou ao dentista para a continuação do tratamento de canal. Nunca mais telefonou para Fabíola e ela não se importou.

Desde então, ele não mais foi ao dentista e não mais ouviu o insuportável barulho do motorzinho.