quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

um conto inteiro

Para facilitar a vida de todos, posto o conto inteiro, sem quebras de postagens.




Elisa, João e Miguel

Lá estava. Toda linda, cabelos longos amarrados em coque, preso com um lápis sem ponta. De pé, cansada, esboçou dois ou três gemidinhos de cansaço e roçou o pé esquerdo na canela direita. Esperava que a cafeteira anunciasse o começo de mais uma manhã. Com o vestidinho da noite anterior, desses de malha (coisas de mulher) ela exibia as curvas mais deliciosas e convidativas que já passaram pelo meu apê. Mas, de alguma maneira, lá estava Ele. Com aquela calça jeans rasgada e a camisa manchada de sangue. Os mesmos olhos fundos que olhavam para ela e olhavam para mim. A mesma reprovação.
- Puta que o pariu Elisa! Que porra é esse cara de novo por aqui?
Sem me dar atenção, aguardando as primeiras gotas de café, respondeu com aquele sotaquinho marrento de carioca-que-nem-só-ela:
- Ah Zé. Deixa ele. Faz nada não...depois tu te acostuma.
Sem esconder meu descontentamento bufei uma, duas ou três vezes, não me lembro. Olhei pra ela e nada de Elisa interagir. "Antes das 9 horas eu não funciono", ela repetia incessantemente todas as manhãs quando eu queria conversar.
E lá estava ele, com aquela cara de saco-cheio me olhando e olhando Elisa que, como sempre, com aquele ar de nem aí e eu aqui pensando nas mil possibilidades do porquê da presença Dele.
Ela, com o vestidinho amassado na barra, finalmente tirou o bule de vidro da base e verteu o café fumegante em dois copos daqueles de padaria. Solícita, embora emburrada, sentou-se no meu colo, com o copo na mão e o convite para uma trepadinha matinal.
- Elisa. Pára com isso...vamos conversar.
Sempre adorei a sonoridade do nome Elisa e jamais lhe dei um apelido. Minha cabeça estava a mil, enquanto ela, ignorando minhas recusas, mordiscava minha orelha e colocava sua mão pequenina bem na divisão das minhas coxas.
- Elisa. Sério. Temos que conversar sobre o desgraçado ali.
Apontei para o batente da porta onde estava Ele e sua calça jeans rasgadinha que imitava algum rock star decadente da década de 90.
- Pára, gato. Esquece ele. Num adianta não. Ele fica aí o tempo todo, olhando. Deve ser curiosidade.
O tom jocoso com que Elisa lidava com a situação poderia ter me deixado tranqüilo, mas faziam meses que esse sujeito aparecia e minha disposição já não era mais a mesma.
Elisa tinha essa mania infernal de fingir que tudo estava bem: fosse o que fosse. Ela não ligava se o pão da lanchonete estava velho, se os chocolates comprados para meu sobrinho tinham derretido na sua bolsa, se o gato tinha deixado suas bolas de pelo no lençol. Tudo para ela era motivo de total e permanente indiferença. Eu, por outro lado estava cansado. Embora não me queixasse das pequenas coisas como o pão, ou os chocolates na bolsa dela, simplesmente não conseguia passar o resto da minha vida com aquele cara ali. Parado, com a maldita mancha de sangue e o ar de vocalista. Estava cheio. Cheio a ponto de recusar as insistências de Elisa.
- Vai Zé, repetia gemendinho, tirando as alças do vestido e se "achegando" em mim.
- Elisa. Na boa, quero esse cara longe daqui. Vamos chamar alguém outra vez.
Pela primeira vez senti que havia algo de novo no seu rosto. Uma certa insegurança que jamais havia visto. O que sempre soube, mas não queria encontrar estava tão a minha frente quanto o maldito rock-star.
- Você se acostumou com ele.
Muda por alguns quietos, ela riu e, para minha surpresa, reagiu:
- Zé. Tá legal. Você quer ir novamente ao maldito pai-de-santo. Tentamos de tudo, porra. Já foi de tudo: centro espírita, macumbeiro, pastor de igreja, testemunhas de jeová, rabino, padre...
Não havia como discordar dela. Nossos últimos meses foram marcados por essa agonia do cão. Nossa, não. Minha, pois ela nunca ligou muito pela presença do ex.
Logo quando começamos a namorar, sentia a impressão de ver um rosto conhecido. Na época, atribui as imagens ao remédio tarja preta que tomava. Mas, assim que mudei pro apê dela (apê que fora dele também), senti que a merda estava feita. O cara devia ter superado, ascendido aos céus, decido ao inferno. Mas, não, como disse o hare-krishna que nos visitou, era preciso deixar que ele aceitasse seu karma, seu curso de vida e só então se preparasse para reencarnar.
No começo fiquei com dó, mas, inevitavelmente, não conseguia deixar de pensar que aquele filho de uma puta nada tinha a ver com a minha vida. Com a de Elisa, até vai. Afinal moraram juntos, dividiram uma casa, pensavam em casamento. Mas, eu? Eu não fiz nada. O máximo de culpa que admito ter for ter me envolvido com a viúva do defunto. Mas, nem me aproveitar dela, me aproveitei. Pelo contrário, foram longos meses para nos aproximarmos.
- Merda, Elisa. Deve haver algum jeito.
Cansada, com aquele carioquês arrastado, ela suspirou e disse que nada havia a ser feito, a não ser seguir os conselhos de todos os deuses que por aqui passaram. Era preciso esperar que ele iria embora.
Mas, a sensação de desconsolo e a completa certeza de que ela se sentia bem com a presença do defunto me deixava perdido. Sempre me deixou e continuava me deixando.
- Saco Elisa. Não quero mais isso.
Sem atinar pro meu desespero, ela virou, olhou para ele e olhou para mim:
- Quero te contar uma coisa. Mais assustadora que a presença do Miguel aqui.
Merda, pensei. Que porra poderia ser pior.
Mas, bravamente ela interrompeu, anunciando que era uma notícia boa. Assustadora, mas boa. Estava grávida.
Como num instante, levantei e corri para a porta.
Antes de correr para a rua, respirar e talvez até chorar, falei:
- Elisa, não dá. Como vou saber se essa criança é minha e não dele.
No mesmo instante, percebi que o atropelado-Miguel-da-camisa de sangue era eterno e sorria.

Parte III - conto - Elisa, João e Miguel

Aí vai! Atendendo aos pedidos e reclamações dos que lêem esta que escreve, decidi postar o final do conto, sem divisões....numa "tacada" só.

Elisa tinha essa mania infernal de fingir que tudo estava bem: fosse o que fosse. Ela não ligava se o pão da lanchonete estava velho, se os chocolates comprados para meu sobrinho tinham derretido na sua bolsa, se o gato tinha deixado suas bolas de pelo no lençol. Tudo para ela era motivo de total e permanente indiferença. Eu, por outro lado estava cansado. Embora não me queixasse das pequenas coisas como o pão, ou os chocolates na bolsa dela, simplesmente não conseguia passar o resto da minha vida com aquele cara ali. Parado, com a maldita mancha de sangue e o ar de vocalista. Estava cheio. Cheio a ponto de recusar as insistências de Elisa.
- Vai Zé, repetia gemendinho, tirando as alças do vestido e se "achegando" em mim.
- Elisa. Na boa, quero esse cara longe daqui. Vamos chamar alguém outra vez.
Pela primeira vez senti que havia algo de novo no seu rosto. Uma certa insegurança que jamais havia visto. O que sempre soube, mas não queria encontrar estava tão a minha frente quanto o maldito rock-star.
- Você se acostumou com ele.
Muda por alguns quietos, ela riu e, para minha surpresa, reagiu:
- Zé. Tá legal. Você quer ir novamente ao maldito pai-de-santo. Tentamos de tudo, porra. Já foi de tudo: centro espírita, macumbeiro, pastor de igreja, testemunhas de jeová, rabino, padre...
Não havia como discordar dela. Nossos últimos meses foram marcados por essa agonia do cão. Nossa, não. Minha, pois ela nunca ligou muito pela presença do ex.
Logo quando começamos a namorar, sentia a impressão de ver um rosto conhecido. Na época, atribui as imagens ao remédio tarja preta que tomava. Mas, assim que mudei pro apê dela (apê que fora dele também), senti que a merda estava feita. O cara devia ter superado, ascendido aos céus, decido ao inferno. Mas, não, como disse o hare-krishna que nos visitou, era preciso deixar que ele aceitasse seu karma, seu curso de vida e só então se preparasse para reencarnar.
No começo fiquei com dó, mas, inevitavelmente, não conseguia deixar de pensar que aquele filho de uma puta nada tinha a ver com a minha vida. Com a de Elisa, até vai. Afinal moraram juntos, dividiram uma casa, pensavam em casamento. Mas, eu? Eu não fiz nada. O máximo de culpa que admito ter for ter me envolvido com a viúva do defunto. Mas, nem me aproveitar dela, me aproveitei. Pelo contrário, foram longos meses para nos aproximarmos.
- Merda, Elisa. Deve haver algum jeito.
Cansada, com aquele carioquês arrastado, ela suspirou e disse que nada havia a ser feito, a não ser seguir os conselhos de todos os deuses que por aqui passaram. Era preciso esperar que ele iria embora.
Mas, a sensação de desconsolo e a completa certeza de que ela se sentia bem com a presença do defunto me deixava perdido. Sempre me deixou e continuava me deixando.
- Saco Elisa. Não quero mais isso.
Sem atinar pro meu desespero, ela virou, olhou para ele e olhou para mim:
- Quero te contar uma coisa. Mais assustadora que a presença do Miguel aqui.
Merda, pensei. Que porra poderia ser pior.
Mas, bravamente ela interrompeu, anunciando que era uma notícia boa. Assustadora, mas boa. Estava grávida.
Como num instante, levantei e corri para a porta.
Antes de correr para a rua, respirar e talvez até chorar, falei:
- Elisa, não dá. Como vou saber se essa criança é minha e não dele.
No mesmo instante, percebi que o atropelado-Miguel-da-camisa de sangue era eterno e sorria.