Escuta. Ouve as árvores que murmuram nos seus ouvidos. Elas dizem o quê? Contam toda uma história crua que finge ser romance. É um lamento clown disfarçado de poesia. Falta a coragem de dar voz aos murmúrios dessas árvores solenes, perdidas imensas, imponentes e gigantescas numa terra distante, no meio das brumas, do sonho, do além-eu, do além-você, do além-Outro. 'Um dia', responde você às árvores e lá vai você. Segue, continua seu percurso trêmulo, buscando coordenar a simplicidade do movimento dos pés.
Braço sem corpo brandindo um gládio
( Entre a árvore e o vê-la )
Entre a árvore e o vê-la
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus?... E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horizonte...
Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio?
Árvore de folhas vestida -
Entre isso e Árvore há fio?
Pombas voando - o pombal
Está-lhes sempre à direita, ou é real?
Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me... E o pombal elevado Está em torno na pomba, ou de lado?
Fernando Pessoa