terça-feira, 24 de abril de 2007

Terça-feira e o sofá jungiano

Depois de algum tempo sem mímese mais deslavada, algo meu. Ainda no clima do pecado original.


Eva

Tua doce cor
no semblante de menina virgem.
Lótus rotunda e úmida
indica o rumo. Tua margem.
'Cala-te' e ouve o gorjear da garça escondida
-si blanche – entre a folhagem.

Cobre teu fruto rubro
E prova estes morangos.
Exalta a mim toda tua beleza,
Teu gesto de menina. Ah...quanta franqueza.

Pensas que não quero mais,
Porém meu desejo é saciado.
Bebo teu sangue são
E ofereço a ti meu lábio.

Come, pequena aprendiz,
os outros frutos escondidos.
Larga-te desse aí
Que jura ser à imagem
e goza aos meus ouvidos teus dilúvios proibidos.


segunda-feira, 23 de abril de 2007

Pós-peritonite, colite, adenite...

Hoje, pela manhã, li uma matéria na Folha de São Paulo que apresentava uma espécie de palestra concurso organizada por bookers e agências em Novo Hamburgo na tentativa de descobrir mais uma top nº 1...uma Gisele, ou quelque chose comme ça...
Bueno! O dito evento reuniu um número enorme de garotas (crianças, adolescentes e jovens adultas) que pagavam quase R$900 para uma possibilidade de se entregar aos flashes e às passarelas da convidadtiva (e lucrativa) indústria fashion.
Não faço juízo, nem condeno. Porém, a questão da beleza e da "PROFISSÃO MODELO" (Vale um Blow up da vida? sem trocadilhos....falo do filme mesmo) é realmente intrigante. Especialmente no Brèsil-de-todos-os-dias...


****
Pensando em beleza, juventude, eternidade, maquiagem, pó-de-arroz e balanças, pensei em um texto da Margaret Atwood...acho que cabe colocá-lo por aqui.

Chega de retratos

Chega de retratos. Já existem em número suficiente. Chega de sombras de mim mesma impressas pela luz em pedaços de papel, em quadrados de plástico. Chega de olhos, bocas, narizes, humores, ângulos ruins. Chega de bocejos, dentes e rugas. Eu sofro com minha própria multiplicidade. Duas ou três imagens seriam suficientes, ou quatro ou cinco. Isso teria permitido uma idéia firme. Esta é ela. Desse jeito, sou aquosa, ondulo, a todo momento me dissolvo em meus outros eus. Vire a página: você ao olhar, fica de novo confuso. Você me conhece bem demais para me conhecer. Bem demais não: demais.

(Do interessante -conjunto de ensaios - livro "A tenda")


****

A imagem do escritor é realmente fascinante. Obviamente, ela permanece. De canto, muitas vezes. Acoplada na 'orelha' do livro....aquela fotinho do escritor...com rugas, óculos e um péssimo corte de cabelo.
Aos náufragos como eu (em assuntos tão midiáticos) fica aí o recado da Maggie. Oferecido atado ao discurso da beleza, da juventude, do escrever itself e porque não para alguém. Ele, sempre ele. Aquele ainda inominável em toda minha solidão.






quinta-feira, 12 de abril de 2007

Morceau de Manhã

É. Mais uma manhã. Um outro dia que recomeça e eu, continuo a peregrinação rumo ao usual. Saco. Finjo e esboço sorrisos que já viraram automáticos e nem são propriamente fingimento. Sorrio pela falta de opção ou de um lenço grande o suficiente pra durar um dia inteiro e que não deixe o nariz vermelho. Hoje...de manhã...nesta manhã...deixo Marçal Aquino...só um pedacinho....de "A missão". Sugestivo?!







"Você vai acabar se machucando de verdade", a mulher disse.E apontou a pilha de livros sobre o criado-mudo. Livros baratos, de papel ordinário.“Seria melhor você parar de ler essas, porcarias, estão piorando a sua cabeça.”










segunda-feira, 9 de abril de 2007

A Páscoa, duas ovelhas e um alienígena.



Acordo certos dias com a certeza da não-finitude. Obviamente, com todo ímpeto de pessoa ultra-quero-enganar-a-mim-memso-sou-cética-!!! refuto a premissa da suposta eternidade e caio no cotidiano enfadonho, esperando o bordão "from ashes to ashes; from dust to dust (ou algo do tipo)".

Bom, hoje, naturalmente, acordei completamente cotidiana. Ressaca pós-tentativa "Pascoal/ Pasqual" de domingo de esquecer qualquer celebração mística ou frase de "ah, pelo menos nos encontraremos na outra vida" regada a vinho tinto. Volto a mim. Volto ao trabalho e volto a "futucar" a internet - como toda suposta "jornalista" (e atenção às """"" de jornalista) e descubro algo perfeito para ilustrar meu bom humor cotidiano. Realmente. De vez em quando, o X passa a valer a pena.





Para entender a los extraterrestres.


Estudio etnológico de una creencia contemporánea. Wiktor Stoczkowski.


Tradução de Francisco S. García-Quiñonero Fernández. Acento Editorial. Madri, 2001.


(...) Com este título se apresenta a edição espanhola da obra "Des hommes, des dieux et des extraterrestres" do etnólogo Wiktor Stoczkowski. Sua intenção declarada é submeter a estudo desde a perspectiva etnológica uma crença contemporânea, a teoria de que a civilização humana surgiu como conseqüência do trabalho colonizador de visitantes extraterrestres.”





****







Lembro do Guardador de Rebanhos, voltando a F.P.




Li Hoje

Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.





terça-feira, 3 de abril de 2007

Cores, formas e funções

Todos nós desempenhamos e exercemos (com esforço) papéis relativamente únicos e singulares nas nossas relações. Sejam elas complexas, superficiais, diárias, distantes, ficcionais ou terapêuticas.


Função

Cabe a ti toda essa minha insanidade
cabe a ti esse meu percurso.
Essa via de mão-dupla,
esse estigma,
essa maldade.

Cabe a mim garantir teu sorriso
garantir teu pranto
E todo movimento esférico da tua personalidade
Cabe a mim garantir o enigma,
Garantir a manutenção desse estado todo de saudade.

Cabe a ti, cabe a mim, cabe a nós
cada momento
cada desejo, cada sonho vão
cada promessa, cada garantia, cada paz
cada cisão

Cabe a ti, cabe a mim, cabe a nós
a vida, o pedido e a mão.
o progresso, o tempo,a eternidade, o instante e o não.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Acredito que árvores entoam cantigas solenes

Escuta. Ouve as árvores que murmuram nos seus ouvidos. Elas dizem o quê? Contam toda uma história crua que finge ser romance. É um lamento clown disfarçado de poesia. Falta a coragem de dar voz aos murmúrios dessas árvores solenes, perdidas imensas, imponentes e gigantescas numa terra distante, no meio das brumas, do sonho, do além-eu, do além-você, do além-Outro. 'Um dia', responde você às árvores e lá vai você. Segue, continua seu percurso trêmulo, buscando coordenar a simplicidade do movimento dos pés.



Braço sem corpo brandindo um gládio

( Entre a árvore e o vê-la )


Entre a árvore e o vê-la
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus?... E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horizonte...

Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio?
Árvore de folhas vestida -
Entre isso e Árvore há fio?
Pombas voando - o pombal
Está-lhes sempre à direita, ou é real?

Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me... E o pombal elevado Está em torno na pomba, ou de lado?

Fernando Pessoa